- Update or Die!
- Posts
- 10 anos de Trip Transformadores
10 anos de Trip Transformadores

O projeto Trip Transformadores chega ao seu décimo ano. Criado com o objetivo de revelar brasileiros que trabalham para recriar a noção de desenvolvimento humano, transformando a realidade, é um movimento permanente de transformação, pensado para promover a ideia de um mundo mais inteligente, humano e equilibrado.
Uma homenagem em reconhecimento às pessoas que, com seu trabalho, ideias e iniciativas de grande impacto ou originalidade, ajudam a promover o avanço do coletivo e do outro.
O Trip Transformadores 10 Anos mostra os Brasis que dão certo. Mais do que uma premiação, é um movimento que ganha força desde 2007 ao celebrar o trabalho de gente que transforma em todo o país paixão em ação, sonho em vida real.
Este ano, os homenageados são:
BERNA REALE
A artista paraense Berna Reale, 50, conta que seu amigo mais antigo gosta de dizer que na hora em que ela recebeu palmadas do médico assim que nasceu, ela não chorou, mas perguntou porque estava sendo agredida. A alegria com a qual narra o pequeno causo contrasta com o rigor e comprometimento artístico das performances pelas quais denuncia episódios de injustiça e violência. Considerada umas das artistas mais importantes do cenário contemporâneo brasileiro, Berna diz que perdeu a conta da quantidade de trabalhos que produziu – atividade artística que se intensificou depois que passou a trabalhar como perita criminal em 2009. De lá para cá, foram 12 vídeos de performances e mais de 20 instalações em fotografia. Se de um lado está a sua arte, de outro está o seu trabalho como perita. Segundo Berna, ela já esteve em mais de 400 cenas de crimes. Essas múltiplas faces do cotidiano de Berna servem de matéria-prima para a transformação de suas ideias em ação – ou, como ela prefere chamar, resistência. “Tenho uma vida caótica e meu processo artístico vai nesse mesmo sentido”, diz. Berna representou o Brasil na Bienal de Veneza de 2015, uma das mais importantes mostras de arte contemporânea do mundo. No começo deste ano, a artista e perita criminal denunciou um caso de agressão no Instituto de Criminalística de Belém (PA). Ela diz ter sido ameaçada e prensada contra a parede por um superior. O caso está sendo analisado.
“Eu resisto. Vivo a resistência. Resisto com o meu pensamento e postura e continuo sendo coerente e agindo da forma que eu ajo e sem pensar em me desviar. É o que mais quero.”
LUIZ ALBERTO MENDES
O homem é implacável na brutalidade e no amor, no crime e na virtude, na tortura e na luta pela liberdade. O escritor paulistano Luiz Alberto Mendes, 64, que o diga. Ex-presidiário, viveu muitas vidas em uma vida. Publicou seis livros, faz atualmente a leitura de sua sétima obra e está produzindo a oitava. O autor de Memórias de Um Sobrevivente (Cia. das Letras, 2005), escrito quando ainda estava preso, é autodidata em tudo. Nas ruas de São Paulo (SP), tornou-se ladrão e assassinou pela primeira vez um homem. Enfrentou muitas dificuldades, mas jamais justificou a criminalidade. Em seu primeiro livro, diz que “um certo glamour e um certo gosto de liberdade o seduziram para o crime”. Quando entrou na prisão, percebeu a duras penas que se metera numa roubada. Mas aprendeu a ler. Descobriu os livros no mundo novo que encontrou dentro da cadeia. Começou a escrever cartas e logo percebeu que seus traços comoviam e faziam as pessoas gostarem dele. Saiu do cárcere em 2004 depois de cumprir 30 anos de reclusão (foi condenado a 100 anos), não encontrou emprego fixo do lado e, assim, buscou na escrita uma forma de sustento e redenção. Também foi nos presídios pelos quais passou que se descobriu professor. Dá aulas, faz palestras e conduz oficinas de leitura e escrita em penitenciárias, universidades, escolas, empresas e comunidades carentes. Atualmente enfrenta mais uma prova em vida: em março, teve extraído parte do fígado endurecido pela cirrose em decorrência de uma Hepatite C.
“Nasci para ensinar. Em uma sala de aula, eu me realizo. E vou dizer mais: o preso é o melhor aluno do mundo! Alfabetizei centenas de ex-companheiros, dei aulas de quase todas as matérias na prisão e com o maior prazer do mundo.”
ESTELA RENNER
“Um dia o Marcos [Nisti, produtor-executivo e CEO do Instituto Alana] falou que a gente estava fazendo um filme capaz de mudar a humanidade. Fiquei angustiada porque isso era uma pressão enorme”, conta a diretora e roteirista paulistana Estela Renner, 42. Em 2006, ela fundou a Maria Farinha Filmes ao lado do produto-executivo e de Ana Lucia Villela, presidente do Alana. Nisti se referia à produção de Muito Além do Peso, filme que trata das causas da obesidade e do sobrepeso infantil. Visto por mais de 750 mil pessoas na internet e mais de 2 milhões de espectadores em salas de cinema, a produção foi sucesso absoluto. Mãe de três filhos, Estela tornou-se porta-voz das causas da infância e da adolescência no Brasil. A Maria Farinha Filmes nasceu para fazer filmes que promovessem a transformação social e ambiental do mundo para melhor. O mais recente documentário, O Começo da Vida, mostra que o ser humano não é composto apenas de carga genética que carrega desde o nascimento, mas também de seu relacionamento com o meio ambiente e com outros seres, em especial nos primeiros anos de vida.
“Fazemos filmes em que o impacto é medido pela quantidade de pessoas beneficiadas pelas mensagens do filme, pela diminuição da desigualdade social, pelo aumento da valorização da vida, da colaboração, da empatia e da cultura de paz e em que a bilheteria é medida pela melhoria da saúde dos outros – e não pelos dólares arrecadados.”
DANIEL IZZO – VOX CAPITAL
O administrador paulistano Daniel Izzo, 39, costuma lembrar uma história de um dos conselheiros da Vox Capital. “Como presidente de Banco, ele viu que investir na empresa A significava que não investiria na empresa B. Só uma prosperaria e ele não gostava disso. Foi quando decidiu que trabalharia para negócios com verdadeiro impacto”, conta. Um dos sócio-fundadores e diretor executivo da Vox Capital, empresa pioneira em investimentos de impacto no Brasil, Izzo explica que enfrentou a mesma crise de valores quando tinha uma carreira promissora em grandes empresas tradicionais. Em 2007, passou a se envolver com negócios de impacto social. Em 2008, conheceu Kelly Michel, fundadora da Artemisia, organização pioneira no fomento de negócios sociais no país, e Antonio Moraes Neto, um dos herdeiros do Grupo Votorantim. Juntos os três tiveram a ideia de criar um fundo independente para investir em empresas que promovessem alguma transformação social – e não buscassem apenas o lucro. Em janeiro de 2009, fundaram a Vox Capital. “Estávamos tão alinhados que definimos nossa missão e visão em 15 minutos”, recorda.
“Sonho com um mundo em que iniciativas como a da Vox Capital não precisem existir. Se houvesse igualdade social, não teria gente na minha esquina [no bairro de Pinheiros, na capital paulista] morando na rua e gente ali perto com milhões de reais parado em casa. Como construir uma ponte entre esses mundos? Enquanto não for bom para todos, não vai ser bom para ninguém.”
ADRIANA MELO

A medicina deve aplausos à cearense Adriana Melo, 45. A pesquisadora, médica e servidora pública em Campina Grande (PB) revelou a misteriosa relação entre o vírus Zika e a má-formação do cérebro de milhares de crianças, doença conhecida como microcefalia. A epidemia do Zika passou a apavorar as gestantes no mundo em 2014, mas o surto da doença só explodiu no Brasil no primeiro semestre de 2015, sobretudo no Nordeste. Entre outubro e novembro do ano passado, casos clínicos de mães e bebês microcéfalos começaram a chamar a atenção na maternidade pública do Instituto de Saúde Elpídio de Almeida (ISEA). Adriana reparou que as pacientes apresentavam manchas vermelhas na pele e tinham coceiras durante as primeiras semanas de gravidez. Em laboratório, descobriu a presença do vírus no líquido amniótico de uma gestante que teve o filho com microcefalia. A revelação foi fundamental para relacionar o Zika – até então confundido com a dengue porque também é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – com a má-formação dos fetos. Em fevereiro de 2015, a Organização Mundial da Saúde (OMS) anunciou estado de emergência com base na análise laboratorial da pesquisadora e médica cearense. O estudo foi realizado no Instituto de Pesquisa Prof. Joaquim Amorim Neto (Ipesq), um centro independente e sem fins lucrativos. Adriana busca hoje captar financiamento privado para apoiar as pesquisas sobre a doença. Com uma rotina exaustiva em que frequentemente perde o sono pensando em formas de auxiliar as mães, ela já chegou a financiar com o próprio bolso exames de pacientes. O Ministério da Saúde confirmou mais de 1,5 mil casos de microcefalia no Brasil desde outubro de 2015.
“A minha vida tem sido voltada para essa causa. O que eu acho é que o futuro depende das nossas ações no presente: qual vai ser o impacto do vírus zika na saúde brasileira, já tão debilitada? Quantas crianças mais terão que passar por essa situação? Eu não cruzei os braços e muitos não cruzaram também.”
FERNANDO FERNANDES

Mudar radicalmente a forma de encarar a vida. Foi esse o desafio do atleta e ex-modelo Fernando Fernandes, 35, em 2009, quando sofreu um acidente de carro que o impossibilitou de andar sobre as duas pernas. Das passarelas, passou a se locomover em uma cadeira de rodas. Com paciência, teve força de vontade para superar o acidente e encontrou no esporte o combustível que precisava para andar pelo mundo com confiança. Em oito meses de treino, venceu o primeiro mundial e consagrou-se tetracampeão de paracanoagem. Em 2013, provou que a força transformadora levaria suas metas ainda mais além: fundou um instituto que carrega seu nome para incentivar pessoas com ou sem deficiência a terem motivação para reconstruírem suas vidas. Mais de 2 mil pessoas já frequentaram o instituto.
“O esporte tem algo mágico e me fez reconquistar a liberdade e a capacidade. No caiaque, fico livre da cadeira de rodas e posso ter a mesma atividade que qualquer outra pessoa. É isso que quero com o instituto: incentivar as pessoas a tomarem as rédeas de suas vidas e conquistarem o que almejam. É muito lindo ouvir de uma mãe que a filha autista reconhece o sábado porque é o dia em que ela espera para ir ao instituto.”
MARINALVA DANTAS
Eliminar o trabalho escravo no Brasil não é só a atividade profissional da auditora do trabalho Marinalva Dantas, 62. É o propósito de vida dessa paraibana de Campina Grande (PB), mas criada em Natal (RN). Desde 1995, ela já libertou mais de 2 mil pessoas de condições análogas à escravidão, dentre elas 600 crianças e adolescentes. A história de sua trajetória foi pauta para a biografia A Dama da Liberdade (Benvirá), lançada em 2015. O livro reacendeu a discussão sobre o trabalho ilegal, mostrando, por exemplo, que a prática abusiva se repete em muitas fazendas do interior do país. Vivendo de perto todo o sofrimento de crianças, mulheres e homens, Marinalva luta agora para que as leis em relação às condições trabalhistas não sejam afrouxadas e continuem a punir todo e qualquer infrator.
“Acredito que o futuro é um mercado de trabalho com respeito à dignidade, sem escravidão, trabalho infantil, assédio moral, assédio sexual e discriminação. O trabalho será o espaço para o crescimento social e pessoal dos seres humanos. Por isso, continuo lutando.”
GERMAN LORCA
Aos 94 anos, o fotógrafo paulistano German Lorca não pára. Recentemente sete das imagens que produziu em 67 anos de carreira foram adquiridas para o acervo permanente do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa). E sua próxima exposição individual está prevista para ser realizada no segundo semestre deste ano no SESC Pompeia (SP). Nascido de uma família de poucas posses no bairro paulistano do Brás, a curiosidade sobre as imagens que via em jornais e revistas o acompanhou desde criança. Da curiosidade, nasceu a paixão. Em 1945, pediu uma câmera emprestada para fotografar a lua de mel. Para a sua surpresa, viu que não havia perdido sequer uma foto. Foi então que decidiu adquirir sua primeira câmera, uma Welti 35mm, para fotografar os filhos e a família que crescia. Pouco tempo depois, dedicava-se inteiramente à arte visual. Fez fotografia social, industrial e empresarial, reportagens, retratos e também publicidade, mas especializou-se mesmo em fotografar a capital paulista e descobrir ângulos e personagens exóticos da cidade. Nos anos 1940, integrou o Foto Cine Clube Bandeirantes, associação que introduziu novas tendências e transformou a fotografia brasileira. A primeira exposição foi no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) em 1952, o que lhe deu prestígio e teve um impacto positivo em seu desenvolvimento profissional. Em 1954, foi o fotógrafo oficial 4.º Centenário de São Paulo. Lorca é o último representante vivo entre os pioneiros da moderna fotografia brasileira.
“Torne a arte parte de sua vida. Ela pode ser uma grande fonte de satisfação e realização.”
TAÍS ARAÚJO

A atriz Taís Araújo, 37, até pode seguir o estigma de ser mil em uma: primeira protagonista negra de uma novela da Rede Globo, vilã, apresentadora, “empreguete”, Helena de Manoel Carlos, mãe de João Vicente e Maria Antônia e esposa do ator Lázaro Ramos. Mas é também umas das principais vozes da representatividade negra no país. Apesar da fama, do sucesso e do respeito pelo trabalho que desenvolve na dramaturgia brasileira, não esteve imune aos ataques racistas que recebeu nas redes sociais, em 2015. Foi quando a atriz decidiu travar uma briga não apenas em nome próprio, mas no de negras e negros que sofrem preconceito racial no Brasil. E por falar em preconceito, é tal tema inaceitável que ela protagoniza a peça “O Topo da Montanha”, sobre a trajetória do líder norte-americano M. Luther King, dirigida e protagonizada também pelo marido.
“Fui conquistando meu espaço com diplomacia. E sem essa de coitadinha. Eu sou negra, tenho consciência do país onde nasci. Eu amo ser negra, meus pais trabalharam minha autoestima para eu me sentir bonita, preparada e inteligente.”
HANS DIETER TEMP

Como dar um novo significado para os terrenos abandonados da cidade de São Paulo? Criando hortas comunitárias. A fórmula simples do administrador e técnico em agropecuária e políticas ambientais gaúcho Hans Dieter Temp, 51, mostra há mais de uma década o seu potencial transformador: incentiva o desenvolvimento sustentável aliado à produção de alimentos orgânicos, preserva o ambiente local e gera emprego, renda e educação em comunidades carentes. Essa é a síntese da ONG Cidades Sem Fome, fundada em 2004. As hortas comunitárias ficam na Zona Leste do município de São Paulo, uma área com 3,3 milhões de moradores Leste – ou cerca de 30% da população da cidade. Em uma metrópole com vocação para a indústria e a prestação de serviços, a “agricultura metropolitana” proposta pela ONG já criou 21 núcleos de hortas e beneficiou mais de 700 pessoas diretamente e quase 4 mil pessoas indiretamente. Hans, que já chegou a tirar do próprio bolso o dinheiro comprar sementes, é quem administra a instituição que fundou, vai atrás de captação de recursos necessários para os projetos, articula parcerias técnicas e financeiras e divulga todas as atividades da organização. Além de hortas comunitárias, a iniciativa conta com hortas escolares e estufas agrícolas em diferentes comunidades paulistanas. Para os próximos anos, a meta é levar a metodologia de trabalho para o desenvolvimento sustentável de outras regiões brasileiras.
“Acredito não só em uma cidade sem fome, mas também em um mundo sem fome, onde crianças tenham a oportunidade de se alimentar antes de ir para o colégio e onde moradores de regiões longínquas e rurais possam ter acesso a alimentos saudáveis para a sua alimentação diária.”
photos by GABO:










O Update or Die é apoiador oficial do movimento há 10 anos com muito orgulho.
Updater: Gustavo Giglio
Reply