A carne mais barata do mercado.

Ouvi um cara cantando que “o que é sagrado se tornou hilário” e isto se torna verdade quando vemos o bem mais precioso e mais sagrado que temos se tornando uma mercadoria facilmente descartável, vazia de sentido e líquida. A vida humana está deteriorada e vale menos que a Petrobras. Em tempos onde Deus não faz mais sentido algum, o homem olha para si mesmo e sem se reconhecer toca a vida buscando ideais que não são seus.

O sentido da vida foi monetizado. Em tempos líquidos onde nada é feito para durar, o profeta Bauman nos abre os olhos para uma sociedade vazia de propósitos, mas com uma sede insaciável por consumir coisas que nunca precisamos e assim nos iludir com um sentido “sem sentido”, e que se esvazia a cada atualização do meu iOS. Mas calma, posso comprar o novo e preencher minha vida de sentido novamente. Sentido? Não faz, não tem, não é.

O sentido da vida é escalável. Nossos ideais se tornaram corporativos e altamente rentáveis para empresas que já sacaram a nossa carência por existir, que evangelizam a sua própria doutrina e tem penduro na parede sua própria profissão de fé. Sim, acredito que um empresa precisa de propósitos para existir, ao contrário será mais uma sem razão de existir, mas o seu ideal deve servir como exemplo e objetivo secundário do humano, que por sua vez não deve se subjugar e submeter a um sonho que não é seu. Fácil falar sem um filho e uma casa para cuidar.

São poucos os que realmente tem o privilégio de parar para pensar no sentido de suas vidas. O filho chora, o ônibus demora, tiroteio na Avenida Brasil, a madame chama estressada, a conta de luz está atrasada, o cartão de crédito estourado, gasolina subiu, Petrobras faliu, o carro bateu, o plano de saúde não cobre o tratamento, não tem vaga no SUS, o Estado está falindo, faculdade está em greve, não tenho dinheiro para almoçar, PM dá dura, na rua não posso ficar, pra casa não quero voltar. Todos temos problemas e pouco nos enxergamos nos problemas do outro. A falta de sentido de existir é acompanhada pela falta de empatia nestes relacionamento líquidos que vamos levando com a barriga.

Guerra na Síria? Não é problema meu. Fome na África? Não é problema meu. Morador de rua na porta da minha casa? Chama os guardas e manda embora, não é problema meu. Fato é que não nos vemos como iguais e não nos importamos mais com o outro, porque o sentido de nossas vidas já foi comprado no shopping e é uma pena que nem todo mundo possa fazer o mesmo. Uma pena.

Quando se conhece lugares como Jardim Gramacho o seu senso de realidade se expande e você consegue perceber com mais nitidez o quão frágil é a vida humana e como realmente não existe “lado de fora” ou lado de lá. Sua consciência ecológica – no sentido mais abrangente de ecologia, que inclui a natureza, o humano e todo ecossistema a nossa volta – fica bastante sensível e você começa a tomar decisões menos egocêntricas e parte para um pensamento mais global. “Pensar global e agir local” faz total sentido neste contexto. Outro dia ouvi de um pastor batista sugerindo que antes de tomarmos qualquer atitude deveríamos pensar:

E se todo mundo fizesse o mesmo que estou fazendo agora, o que seria do planeta?

Nossa vida não vale mais de nada, fomos transformados em mercadorias ambulantes que servem apenas para consumir e/ou produzir. Mas nós podemos acabar com esse ciclo vicioso. Precisamos abrir os olhos e enxergar o mundo que queremos ver: mais justo e igualitário, onde todo ser humano, cumprindo com seus deveres, tenha a sua vida e seus direitos preservados desde a concepção até sua morte natural.

O meu desafio e desejo pessoal é contribuir com empresas e empreendedores que queiram criar um mundo novo com pessoas novas. Sem maquiagem ou mentiras, vamos correr atrás dos ideias que são nossos e juntos criar uma nova sociedade. Já ouviu fala de “capitalismo consciente”? Google it! Mas se eu pudesse resumir aqui em uma frase seria o que acontece quando o lucro gerado pelas empresas serve a sociedade como um todo e não apenas aos acionistas ou donos. Um sistema onde todo mundo ganha e não apenas uma parte.

Não é coincidência que a pessoa na foto de capa é negra e todo racismo, xenofobia e qualquer outra “humanofobia” é fruto dessa falta de empatia e dessa sociedade sem valores humanos. A nossa própria ambição nos transformou em mercadoria, desde o tempo em que éramos escravos. Hoje nossa escuridão é mais requintada e alguns poucos tem ainda o benefício de escolher quem será o seu senhor. O consumo dita quem somos, quem queremos ser e onde queremos chegar. A ambição do ter passa por cima de todos os nossos ideias e voltamos ao princípio desta conversa: o sentido da nossa vida foi monetizado e é escalável.

Apenas quando nos enxergamos como iguais e que nossa vida vale mais que petróleo, minérios, dinheiro, iPhones e bicicletas, aí sim estaremos mais perto de uma sociedade justa. Enquanto existir segregação e “luta de classes” não haverá paz. Nenhuma guerra é santa, já bradava Renato Russo.

P.s.: A foto de capa é um flagra feito pela minha irmã no Centro do Rio de Janeiro. O título também é dela, inspirado na música de Seu Jorge e que me fizeram parar para refletir e repensar o propósito do meu trabalho para a construção da mundo que quero ajudar a construir.

*ALAN BRUNO é designer e empreendedor. Gosta de um bom papo de bar, é filósofo de boteco e trabalha arduamente em sua pesquisa para descobrir a pergunta para a questão fundamental sobre a vida, do universo e tudo mais.

Updater: Alan Bruno

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