A dicotomia de recusar um emprego ruim

Depois de quase nove meses desempregada, surgiu a tão esperada proposta de emprego. Ela não veio de uma indicação, não veio de uma empresa dos sonhos, veio de onde eu menos esperava: uma sorveteria, para a qual eu não cumpria os requisitos.

Fui fazer a entrevista em uma quinta-feira e chegando lá me deparei com uma fila de três pessoas. Outras chegaram depois que a entrevista tinha começado. Até então tudo certo. Quatros mesas com uma ficha e uma cadeira em cada. Perguntas como “que animal você seria?” e “como vê sua vida em cinco anos?”

Fui a primeira a terminar o questionário e então a recrutadora e dona do estabelecimento sentou para conversar comigo. Fui embora totalmente descrente de ser chamada, afinal tinha um total de seis concorrentes, com certeza uma delas preenchia melhor os requisitos. Até que no domingo a noite ela me chamou para fazer um teste.

Terça-feira, 13h50 lá estava eu. O combinado, que era 14h, foi jogado pelo ralo junto com o meu ânimo por um emprego quando a proprietária chegou às 14h13. Fui embora com uma promessa de resposta na sexta-feira.

Uma semana se passou e mandei mensagem pedindo um posicionamento. “Estou acertando os detalhes com a minha contadora.” Contadora? Por acaso é a contadora que decide quem vai trabalhar? Nessa hora eu já estava de saco cheio da mulher e nem fiz questão de responder.

Eis que na sexta-feira recebo um áudio dizendo que fui a candidata que ela mais gostou, mas que como o movimento foi pouco no dia que fiz o teste ela queria me ver trabalhando de novo, no fim de semana.

Então lá estava eu no sábado 13h45 esperando a dondoca que não chegou antes das 14h10, de novo. Mal tive tempo de limpar o lugar e o movimento começou. O mesmo no domingo.

Já perto da hora de fechar ela começou a conversar comigo, dizendo para fazermos um tal de contrato intermitente, que eu trabalharia sábado, domingo e um dia na semana. Disse que faria de um jeito que eu continuaria recebendo o auxílio emergencial, pediu para eu levar meus documentos, incluindo a carteira de trabalho. Disse que ela tem outras duas funcionárias com esse mesmo tipo de contrato. E desabafou que o estabelecimento não estava lucrando.

Depois de quase nove meses desempregada qualquer coisa parecia melhor que passar mais um dia em casa, mas depois de pensar e conversar um pouco sobre a proposta percebi que eu iria me enfiar em um buraco se aceitasse aqueles termos. Já fui contratada e dispensada em um curto período duas vezes, por corte de gastos, manchando a minha carteira de trabalho. Não queria passar por isso de novo.

Ao dizer que para mim não faria sentido trabalhar só aos finais de semana (tirando R$40,00 por dia), recebi outra proposta confusa de um outro tipo de contrato, mas nesse momento já tinha percebido que eu só seria enrolada. Agradeci e neguei.

Não foi fácil, não foi gostoso. Não senti o alívio que pensei que sentiria ao não vender a minha alma para o capitalismo. Minutos depois senti o arrependimento, e hoje, ao ver a confirmação de que o auxílio emergencial diminuiu, pensei em voltar atrás.

Estou tentando me convencer de que foi melhor assim e que recusar essa “oportunidade” é a melhor forma de evitar que a história se repita. Meu cérebro está divido em dois lados que vivem em constante conflito: um me critica e reforça as inseguranças e mantras de “você nunca vai chegar em lugar nenhum” e o outro agradece o privilégio de não precisar me submeter à condições péssimas de trabalho e me parabeniza por ter tido a coragem de encarar mais uns meses de desemprego.

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