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“A Forma da Água”: um amor líquido que vale a pena

Lá vem textão. Aliás, esse começou quando o chuveiro do meu apartamento queimou. Por conta desse acontecimento, comecei a reparar na relação do homem com a água, que é feita de uma mistura de fascínio e medo. Pense comigo: ao mesmo tempo em que amamos um banho quentinho, tememos a grandeza do mar, mesmo sabendo que ambos são a mesma coisa: água. Seguindo esse raciocínio, encontrei a mesma relação dúbia com o amor. Um sentimento que precisamos na mesma intensidade que precisamos de água.

Enfim. Esse não é um texto sobre o meu chuveiro, mas sim sobre “A Forma da Água”, o novo filme de Guilhermo del Toro. Estava namorando essa obra há um tempo. A direção de arte me chamou a atenção desde o princípio. Guilhermo é o tipo de cara que sabe brincar com as cores e de um jeito misterioso – como a da água – contrasta azul com verde, passando para um vermelho intenso. Enfim. Eu sabia que se tratava de uma narrativa interessante dentro de um filme imageticamente forte, mas não imaginava que ia encarar personagens tão emblemáticos ao longo da história.

Resumidamente, “A Forma da Água” nos apresenta um delírio dentro dos anos 60. A história se passa em uma pequena cidade americana onde somos convidados a conhecer Elisa, uma faxineira muda interpretada hipnoticamente por Sally Hawking. A personagem e a sua melhor amiga Zelda, a voz de Elisa, trabalham em uma base secreta de um laboratório que esconde uma criatura acorrentada. E mesmo com todas aquelas barreiras, Elisa não conseguiu se proteger de um dos maiores perigos que aquele monstro poderia trazer: o amor.

Durante o filme, del Toro inova e encontra novas formas para desafiar o seu talento cinematográfico. A graça é que o diretor resolve tudo isso em uma narrativa simples com jeito de contos de fadas. Poderia ser um filme da Disney, mas não é. Elisa não tem a passividade de uma princesa, mas sim a força ativa de uma mulher que não tem medo de amar, mesmo quando o receptor desse sentimento é uma criatura monstruosamente diferente.

O filme é como um rio principal que aflora em diferentes caminhos, não menos interessantes, que vão completando a história. Na minha visão, A Forma da Água transforma pessoas invisíveis em protagonistas. Na história, deficientes, gays, e negros têm o direito de amar… E até os vilões, mesmo que seja amando o seu próprio ego.

Além disso, o filme é visualmente muito forte. Um signo que me chamou bastante atenção, por exemplo, são os sapatos vermelhos trajados por Elisa. Estes sapatos não levam a protagonista para casa, como em O Mágico de Oz, mas abrem um caminho para o autoconhecimento da sua própria jornada.

O sapato cria uma simbologia muito interessante para o filme, mostrando que a personagem sacramenta o seu estado de liberdade ali, em cima deles, e depois, em uma das cenas mais bonitas, se livra deles em uma entrega total nos braços daquela criatura. Como quem diz em uma linda metáfora visual: o amor não é posse, é pura entrega.

Enquanto a nossa rotina anda seca de amor e de manifestações afetivas que não sejam feitas por meio de um like ou de um Whatsapp preguiçoso, o filme se destaca e é, além de entretenimento, um bom jeito para refletir sobre como amamos e se, realmente, amamos.

Em um trocadilho barato, eu diria que a A Forma da Água faria Bauman repensar a sua teoria de amores líquidos. Por que, afinal, quem não gostaria de viver uma paixão poética e submersa daquelas?

Vale o ingresso e uma reflexão debaixo de um chuveiro queimado.

Updater: Arthur Zambone

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