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a história que precisava ser contada

Antes de mais nada, preciso que leiam a história que meu avô contou no jantar de comemoração do seu último aniversário:
Foi coisa de outro mundo.
Não consigo explicar o que senti aquele dia. Não nos beijamos, nem nada. Mas fui pra casa sentindo algo muito diferente. Uma coisa estranha. Depois de um mês, começamos a namorar escondido. Ela era de família rica e eu não tinha um puto. Por isso o segredo. Durou meses. Até que fomos pegos dando uns beijinhos. O pai dela não deu chances. Levei uns tapas e prometi não procurá-la mais. O que não aconteceu. Durou mais uns meses. Até que fomos pegos de novo. Fui ameaçado e tive que partir. Vim pra São Paulo com um primo. Nunca mais a vi. Hoje, com certeza teria feito diferente. Teria fugido com ela quem sabe. Ou teria pago pra ver aquela ameaça. Será que não era só da boca pra fora? O que mais incomoda é que nunca vou saber. A única coisa que espero, é que ela esteja bem.
Melina, linda Melina.[/su_quote]
Espero que seu coração esteja partido como o meu naquele dia. Parece bobagem, mas nunca imaginei ouvir isso de alguém tão seguro como meu avô. Foi nítido a mescla de sentimentos transitando nos olhos daquele velho ranzinza e durão. Uma mistura de paixão, lembranças e arrependimento.
Fui pra casa com aquela história na cabeça, querendo encontrar aquela mulher a qualquer custo. Só queria que ele a visse de novo. Mostrar seus filhos, quem sabe até seus netos.
Conversei com amigos que moravam em Belo Horizonte, pesquisei todas as Melinas que moravam em Minas Gerais, cheguei até a procurar na lista telefônica. Nada batia com aquela faixa de idade, muito menos com aquelas descrições.
Desencanei e aceitei a derrota.
O tempo passou e acabei descobrindo pela minha mãe que a apaixonante Melina não existia. Não passava de uma história contada por alguém que gostaria de ter vivivo algo que não viveu, mas que sonhou em viver.
Aquela mulher se chamava Maria. Era empregada na casa dos meus bisavós. Na verdade, os papéis estavam invertidos. Quem não tinha um puto era ela e quem não podia manter o relacionamento era ele. Não tiveram absolutamente nada. Não namoraram escondido, e nem foram pegos dando os tais beijinhos. Pelo contrário, ela vivia fugindo do meu avô em prol do salário no final do mês. Além disso, ela era 20 anos mais velha que ele. Praticamente um amor proibido naquela época.
Foi aí que fiquei mais encanado. Eu precisava entender o por que daquela história ser contada daquele jeito. Me convenci e fui a casa dele.
Conversa vai, conversa vem, acabei revivendo o momento sem cerimônias. Perguntei se a tal Melina se chamava Maria. Fui ignorado e voltei pra casa sem respostas.
Desencanei de novo.
Passaram dois dias até que fui surpreendido com uma carta anônima, que dizia:
[su_quote]Maria, Acredito que hoje você não esteja mais conosco. Mas saiba que sempre te amei e torço para que um dia ainda nos encontremos por aí.
Com amor, aquele menino.[/su_quote]
De bate-pronto as míseras linhas me deixaram irritado. Confesso que gostaria de ter lido muito mais. Aquela história renderia um livro, uma canção, talvez uma grande novela. Mas infelizmente era o que eu tinha.
No dia seguinte, voltei a casa dele, nos abraçamos e não tocamos mais no assunto. Nunca mais falamos sobre aquilo.
Não sei você, mas essa história me deixou virado. Tanto pelo meu avô não ter vivido aquilo, mas também por me imaginar com 80 anos reinventando histórias que não tive oportunidade de viver.
Dá medo de não conseguir ter todas as histórias que idealizamos. Se for pra listar todas que imagino viver um dia, vou gastar um bom tanto de tinta e algumas folhas de caderno. O que dá ainda mais medo.
Tenho impressão que hoje temos muito mais acesso pra fazer aquilo que bem entendermos. Diferente de 50 anos atrás, onde as possibilidades eram restritas e bem menores. Esse leque de opções pode até parecer atraente, mas por existir tantas possibilidades, tantos caminhos e tantas trilhas, muitas vezes a maioria não sabe por onde seguir. Nos perdemos como num labirinto.
Mas pensando pelo lado bom, é uma vida que a direção do filme é sua, e a escolha dos atores também. Já o gênero, esse não depende de mais ninguém, de comédia ao terror, do drama ao romance, quem manda é você.
A única coisa que não quero é chegar aos 80 e ficar puto por não ter ido por ali ou por aqui. Preciso sentar na minha poltrona de couro, colocar meus netos no colo e começar a contar exatamente tudo aquilo que vivi sem precisar das pitadas a mais de sal.
Por outro lado, nem tudo é como a gente quer. Aliás, quase nada funciona assim. Quero estar errado, mas algo me diz que a previsão seja todos virarmos grandes contadores de histórias não vividas.
Talvez a vida não seja para os satisfeitos. Nem pras Melinas. Nem pra mim. Nem pra você.
Updater: Bruno Ramalho
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