- Update or Die!
- Posts
- A ONU vale um terno
A ONU vale um terno

Sempre afirmei que me visto mal, não ligo pra protocolos e dress codes. Mas há exceções. Ou houve uma, pelo que me lembro.
Vamos começar do começo. Em 2000 mais de 170 chefes de estado do mundo todo (no nosso caso, era o Fernando Henrique) assinaram um pacto para que cada país trabalhasse duro pra atingir 8 objetivos socioambientais, cada um desses objetivos com suas submetas bem precisas, país a país.
Em 2003, já no primeiro mandato do então promissor presidente Lula, o assunto estava adormecido em gavetas acadêmicas e corredores palacianos. Ninguém sabia desses tais Objetivos Sustentáveis do Milênio, que na verdade exigiam a participação da sociedade como um todo.
Um grupo de empresários, ongs, instituições, fundações, universidades, associações, sindicatos, liderados por agências da ONU (especialmente o Pnud, Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), Instituto Ethos e pelo governo federal, decidiram desenvolver um grande programa de informação, sensibilização, conscientização e engajamento da sociedade para que o Brasil atingisse os Objetivos Sustentáveis do Milênio até 2015.
Aí me chamaram, já que eu era figurinha carimbada, com longa jornada de comunicação desses assuntos socioambientais e junto a esses grupos. Chamei a McCann toda pra me ajudar e todos me ajudaram. Ou todos se ajudaram.
No total, calculei mais de 160 pessoas trabalhando duro ao longo de meses, gente da minha equipe, produtoras de vídeo e áudio, gráficas, músicos, atores, locutores, fotógrafos, um monte de profissionais de primeira linha.
Vou cometer uma porrada de injustiças, esquecendo vários nomes, mas tenho que destacar o Ricardo Aguiar (Magrão), Ricardo Ramos, Ivonne Olmo, Ricardo Schiamarella, Alexandre Braga, Glen Martins, Nilvia Centeno, Alessandra Leme, Daniel Martins, Ângelo Franzão e sua equipe de Mídia, Yvi e Mércia da Film Planet, Estúdio Baticum, um monte de fotógrafos top do mercado, Grupos de Comunicação e Mídia. Todos voluntários, inclusive a McCann.
Nasceu a campanha de mobilização nacional, bem simples, direta e popular:

A campanha alcançou tremendo impacto e sucesso, que em poucos meses, mais de 7 milhões de brasileiros estavam, direta ou indiretamente, engajados nela, segundo levantamento do Instituto Ethos e do Pnud. Mas essa é outra história, outro Causo, que fica pra uma outra vez.
Vamos falar do meu terno.
Já em 2004, o presidente Lula queria fazer dessa campanha e do sucesso inicial do Brasil no avanço dos Objetivos Sustentáveis do Milênio uma de suas bandeiras políticas no mundo. E me levou pra NY pra apresentar a campanha na Assembleia Geral da ONU em setembro daquele ano.
Tremi na base e nas roupas que eu tinha. Decidi alugar um terno e pedi pra Nílvia, Diretora do Depto. de Produção da McCann, me providenciar uma camiseta cuja estampa no peito imitasse uma dessas camisas de smoking, cheia de babados desenhados. A Nílvia ficou uma fera!
“Você tá louco! Tem caraminholas na cabeça? Vai pra Assembleia da ONU em NY junto com a delegação brasileira, incluindo o presidente Lula, vai representar nosso trabalho pro mundo vestido de palhaço? Nem pensar! Deixa comigo.”
Dias depois entram na minha sala a Nílvia, uma figurinista e uma produtora de moda do mercado de produção de comerciais. Tiraram minhas medidas, fizeram algumas perguntas sobre minhas cores favoritas, texturas, etc.
Na véspera do meu embarque pra NY elas voltaram e fizeram uma prova do figurino: um puta terno Armani azul escuro, camisa e gravata de grife, sapatos de cromo alemão, cinto e meia. Tudo combinando, tudo lindo, tudo sem a minha cara e o meu conforto.
Em NY deu (quase) tudo errado e, mesmo de terno Armani e paramentado como um robô em meio a tantas pessoas vestidas do mesmo jeito, acabei voltando a ser o escrachado e molambento que sou.
Botei a roupicha que a Nílvia produziu e fui a pé do hotel (afinal eram 10 quadras) até a McCann-NY, onde me esperavam 4 pacotes imensos com folhetos, que produzimos lá, em vários idiomas, pra distribuir na Assembleia da ONU.
Levei os pacotes até a sede da ONU a pé, também a umas 10 quadras da McCann. Eles eram grandes, pesados, difíceis de carregar, lacrados com fita adesiva e barbantes americanos, desses dos bons mesmo.
Cheguei exausto, tenso, suado, o nó da gravata afrouxado, camisa pra fora da calça. Fui barrado na recepção, passaram os pacotes por scanners e raios-X de todo tipo, retiveram o canivete que eu havia levado pra abrir os pacotes.

Já naquele salão gigantesco, cheio de bancadas pras delegações de todos os países do mundo, acendi o isqueiro pra romper os barbantes dos pacotes. Meu isqueiro foi apreendido pela segurança e gastei meia hora dando explicações.
Um policial, sensibilizado com minha história e com meu estado lamentável e deselegante, todo suado, me ajudou a abrir os pacotes.
Comecei a distribuir, bancada a bancada, país por país no idioma certo. Levei mais de uma hora pra percorrer o mundo.
As delegações começaram a chegar, eu corri pro banheiro pra lavar o rosto, limpar o suor, me arrumar e me aprumar. O que era um terno Armani parecia uma roupa comprada numa liquidação da Rua 25 de março: todo amassado, amarfanhado, desengonçado. Não consegui refazer direito o nó da gravata. E continuava a suar, afinal, dali a pouco eu falaria pra mais de 500 pessoas do mundo todo.
Quando chegou minha vez, 4 horas depois do começo da Assembleia, meu microfone não funcionou. Sei lá, devo ter apertado algum botão errado no painel. Quando funcionou, comecei a apresentação em Inglês e fui interrompido: tinha que ser no meu idioma nativo, em Português.
Mas acabou dando tudo certo, foi um sucesso, nosso trabalho virou exemplo oficial da ONU para o mundo e, depois, foi usado por mais de 55 países.

Tudo terminado, corri – de novo a pé – pro hotel, fiz a mala, vesti meus bons e velhos jeans, tênis e camiseta, fiz o check-out e voei pro aeroporto. Eu estava voltando pra casa do jeito que eu sou de verdade, vestindo minhas roupas de verdade.
Dei de presente pro porteiro do hotel aqueles sapatos, que me fizeram calos gigantescos e doloridos nos calcanhares. Nunca tive calos de cromo alemão.
Na correria, esqueci a calça do terno no hotel. Voltei pro Brasil só com o paletó, que é o único que tenho até hoje e não me cabe mais.
Uma lembrancinha daquele dia, apenas.
Updater: Percival Caropreso
Reply