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A Publicidade Vai Ao Cinema | Em “A Rede Social”, a perversão cria o mito contemporâneo

“Mark, você vai achar que as mulheres vão terminar com você porque é um nerd. Eu não quero que pense isso. É porque você é um babaca”. Depois de ouvir isso, Mark Zuckerberg (Jesse Eisenberg) vai para o seu alojamento, em Harvard, senta no seu computador e dispara o maior número de ofensas que consegue contra a ex-namorada. Da irritação, ele cria o FaceMash, uma espécie de comparador de pessoas.
Anos depois, Zuckerberg se tornaria o mais jovem bilionário do mundo – ao criar o Facebook – uma ideia que ele roubou de outros dois estudantes, os gêmeos Winklevoss (Armie Hammer). Ele não tinha nem 30 anos quando isso aconteceu.
Brilhantemente bem escrito por Aaron Sorkin, “A Rede Social” (The Social Network, 2010) poderia ser somente os bastidores de uma história pervertida, mostrando uma penca de jovens irresponsáveis e mimados, expondo toda a sua juventude problemática.
Em certa medida, é isso mesmo. Mas, o diretor David Fincher já contou que é inspirado pela perversão das pessoas porque considera o próprio público pervertido. Esse olhar crítico explica a técnica do seu trabalho. A câmera dele capta a rejeição, o ciúme, a inveja, o desejo criminal, a misoginia e o íntimo que macula os atos até então extraordinários.

Rooney Mara e Jesse Eisenberg
O fetichismo perfeccionista de Fincher – munido do veloz texto de Sorkin – acha a senha de acesso perfeita: Zuckerberg é um personagem que concentra todo caldo, embora “A Rede Social” não seja filme sobre ele, e sim sobre a criação de um mito contemporâneo.
Como a nova “Alice” deste país de maravilhas, Zuckerberg define a palavra que ampara sua criação e todas as experiências digitais que vieram depois disso: exclusividade.
De uma rede feita para estudantes de uma das faculdades mais elitistas do mundo até transformar cidadãos em avatares, a trajetória não tem derrocada financeira. Todo o dinheiro, reconhecimento e fama que Mark ganha, ele perde em algo que não pode ser transformado em um código de programação. O único amigo, Eduardo Saverin (Andrew Garfield), é descartado como um arquivo desnecessário. A ex-namorada, em outra cena emblemática, quando Mark tenta se gabar do Facebook, o rejeita de novo: “boa sorte com seu video-game”.
O segundo toco motivou-o a expandir. É quando Sean Parker (Justin Timberlake), o jovem criador do Napster, uma rede social que parece muito com o que o Spotify é hoje, entra no jogo. Ele é o coelho branco que leva Mark para outro universo, onde os limites inexistem, e tudo o que jovens como eles precisam fazer é curtir.

Justin Timberlake é Sean Parker, o criador do Napster.
São millennials, nascidos na digitalização do mundo. Como bem definiu o presidente de Harvard quando os irmãos Winklevoss expõe o roubo de Mark, é a geração que “prefere inventar coisas do que trabalhar em coisas”.
A definição não é ruim. Ela presume que os millennials não tem uma consciência real. Mas a fantasia pela vida perfeita, endinheirada e cheia de fama, não é uma consequência do que vemos nas redes sociais. Ela é um sintoma de algo antes disso.
No livro “Falso Espelho”, a escritora Jia Tolentino, analisa como a auto-ilusão provocada pela internet tem nos desmembrado. Ao lembrar de outro personagem bem parecido com Zuckerberg, Billy McFarland, ela legenda o que move os novos empresários: “o sonho irrealizável está se tornando a estrutura dominante de aspiração, e as sombras do seu estágio final – crueldade, indiferença e niilismo – estão seguindo logo atrás”. No texto, Jia também disseca como o golpe faz parte do DNA americano, e como a ilusão de vitória consegue um incrível espaço camuflada de “inovação”. Billy McFarland tem a mesma prepotência, ambição e arrogância de Zuckerberg. Foi dele a ideia de vender um festival super exclusivo em uma ilha das Bahamas. Em poucos meses, McFarland sustentou a ilusão do seu negócio mostrando o que podia pelo Facebook e Instagram. O filme “Fyre Festival”, disponível na Netflix, é um registro absurdo dessa enganação de milhares de pessoas através das redes sociais. O anzol pra pegar todo mundo? O interesse.
Monetizar a personalidade e a atenção foi algo que Zuckerberg só pescou bem mais tarde. “A Rede Social” não vai tão longe. Nem precisa. Tudo o que nós queremos saber sobre esse jovem bilionário, que ganha toneladas de dinheiro e vive em uma redoma grossa de ilusão, tal qual um enorme espelho refletindo apenas a própria face, é a imagem de um homem solitário, que perdeu todo o capital humano que tinha ao criar uma rede social para conectar amigos…

“Mark, você não é um idiota. Só se esforça muito para isso”, diz a conselheira de um de seus advogados antes de deixá-lo sozinho, apertando F5 na solicitação de amizade enviada para a ex-namorada, ao som de Baby You’re a Rich Man, dos Beatles.
A perversão de Mark – e dos envolvidos na história – também é nossa. Zuckerberg é um buraco negro que suga o que os membros do seu clube de exclusividades curtem, gostam, comentam ou postam, se comparando com pessoas e introjetando uma vida que nasceu do ódio de um menino arrogante que levou um fora da namorada.
Hoje, o Facebook é a ferramenta de trabalho da publicidade, entrega anúncios personalizados derrubando qualquer barreira entre o ato de desejar, ter ou poder comprar. Foi nascedouro de outras redes sociais, cujo propósito é o mesmo: expor o máximo que as pessoas puderem, abastecendo a autoindulgência, o engano e a ilusão. “No Facebook, nossa humanidade básica é transformada em um ativo viral passível de ser explorado”, conclui Jia Tolentino sobre o insight de Zuckerberg em suplantar a identidade das pessoas em troca de tornar a vida delas visível.
Aliás, foi por querer tanto ser visto que Zuckerberg se enfiou no quarto. Foi por não aceitar que a vida tem termos de uso próprios que, enquanto xingava a namorada de “vadia” na internet, ele inventou a própria quimera. O problema é que este mito contemporâneo da ascensão digital não criou apenas uma rede para conversar com seus amigos e fazer amizades; ele destruiu a última parcela de privacidade – talvez até de humanidade – que existia. E nós demos um like. Em questão de anos, virou parte da cultura.
David Fincher está certo: #SomosTodosPervertidos.
Updater: Leonardo Simões
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