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Bloodborne: o paradoxo do machado de batalha e a porta de madeira

Recentemente joguei Bloodborne (Playstation 4, 2015), jogo desenvolvido pela produtora From Software e um dos grandes lançamentos do ano de 2015. O game, que mistura elementos de role playing game com ação em terceira pessoa, segue um conceito instituído pela produtora de ser um produto lúdico com alto grau de desafio. Terminei o game, não sem algum esforço ligeiramente hercúleo.
A história é bastante enigmática/sombria e coloca o jogador no papel de um caçador que deve trilhar uma jornada por Yharnam, uma cidade ciclópica tomada por bestas, monstros e licantropos de toda sorte. O cenário gótico com elementos vitorianos e – arrisco dizer – de faroeste oferece um rico menu de customização para criação do personagem, que basicamente possui uma arma de fogo e uma arma branca para enfrentar os desafios.
Definitivamente, Bloodborne não é um jogo para casual players. Assim como outros games da produtora, é preciso paciência para decifrar cada movimento de chefes de fase e elevar o nível de seu personagem para um ranking competitivo. Focado em um público mais hardcore, Bloodborne coloca em prova a plataforma do Playstation 4 para criar os oníricos cenários que permeiam a jornada do caçador.
Independente de recursos tecnológicos ou elementos gráficos, o game em discussão trabalha muito fortemente a questão do imaginário aplicado em um produto lúdico. A narrativa pouco explica as situações propostas e cabe ao jogador completar uma série de lacunas que vão surgindo. Nesse sentido, cabe a cada player imergir e aceitar a fantasia proposta no jogo e aceitar o imaginário de Yharnam e todas suas particularidades. Aqui entendemos este imaginário como um espaço que “agrega imagens, sentimentos, lembranças, experiências, visões do real que realizam o imaginado, leituras de vida e, através de um mecanismo individual/grupal, sedimenta um modo de ver, de ser, de agir, de sentir e de se aspirar ao estar no mundo” (SILVA, 2003, p.11).
Basicamente, no caso de Bloodborne, estamos falando de sonhar o sonho do outro. De mergulhar no imaginário do jogo e – inclusive – ignorar determinadas particularidades que se apresentam no decorrer da narrativa, que é o caso da situação a seguir:
Um jogador menos envolvido com a experiência do game pode se deparar com tal situação e dizer: “Ora, mas se eu tenho um machado de batalha deste tamanho, por que eu não arrebento logo a porta e passo para o outro lado? Por que eu tenho que dar a volta enfrentando mil perigos se poderia estilhaçar a madeira com minha arma e avançar com mais segurança?”. E a resposta para isso é: sem o desafio, sem enfrentar o caminho mais longo não há narrativa. Não há envolvimento. Não há o contato visceral com o imaginário do game. Lembrando que há diferentes games para diferentes players e sempre haverá envolvimentos de múltiplas intensidades por parte destes (MASTROCOLA, 20015, p.23).
Logo, a relação paradoxal entre o machado de batalha e a porta de madeira se constitui com sentido quando começamos a aceitar o desafio proposto pelo universo do game. Situações como essas não são incomuns, mesmo nos jogos mais modernos. A clássica situação na qual o personagem do jogo precisa chegar até um local específico que está diante dele, mas não consegue pular um obstáculo baixo e isso o obriga a dar uma volta enorme pode também ser um exemplo do que estamos discutindo.
A questão que colocamos em discussão aqui é que uma narrativa constituída de elementos envolventes, desafios encorajadores e um imaginário repleto de fantasia pode suspender a descrença de situações como a da imagem anterior. Como lembra Juremir Machado (2003, p.14) “o imaginário é a ‘bacia semântica’ que orienta o ‘trajeto antropológico’ de cada um na ‘errância’ existencial”. Ou seja, no caso de Bloodborne, o trajeto – repleto de um repertório de fantasia – auxilia na imersão no universo imaginário do jogo fazendo com que relações paradoxais como a da porta com o machado se dissolvam na narrativa de entretenimento.
É somente um game, mas com muito significado envolvido do início ao fim perante aqueles que “compram” a fantasia apresentada.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
MASTROCOLA, Vicente Martin. Game Design. Modelos de negócio e processos criativos: um trajeto do protótipo ao jogo produzido. São Paulo: Cengage Learning, 2015.
SILVA, Juremir Machado da. As tecnologias do imaginário. Porto Alegre: Sulina, 2003.
REFERÊNCIAS DE GAMES
Bloodborne. From Software. Playstation 4, 2015.
Updater: Vince Vader
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