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Cannes Lions 2018: como foi e como precisa ser no futuro

O Cannes Lions é um evento incrível para qualquer um envolvido na indústria da criatividade. Seja criativo, atendimento, designer, músico, arquiteto… sempre há muito aprendizado, nos mais diferentes aspectos. Porém, a cada ano o festival vem sofrendo mais e mais as dores do crescimento, a concorrência de outros grandes eventos, a revisão de investimento dos grandes grupos, entre outros desafios. E 2018 foi um ano crucial.
Conversando com muita gente de diferentes núcleos da novela e tendo participado in loco pela 11ª vez do festival, deu para sentir bem as tentativas de mudanças, as mudanças efetivas, os golaços e os fracassos desta última edição. Para você que foi e teve uma experiência diferente dos outros anos, que não foi e quer saber o que rolou ou que pretende ir ano que vem, vão ai oito tópicos que marcaram o Cannes Lions 2018:
1. Os números
Mesmo tendo que enfrentar um ano sem o Publicis Groupe, terceiro maior grupo de comunicação do mundo – que abriu mão de ir e inscrever trabalhos em 2018 para desenvolver sua plataforma de inteligência artificial Marcel (leia aqui) –, o festival deste ano conseguiu manter a grandiosidade. Foram 32 mil trabalhos inscritos na premiação, baixa de 21% em relação ao ano anterior, mas só 10% menos de delegados – quando a expectativa era de 25% menos pessoas na Riviera Francesa.
Foram entregues 1.186 Leões frente aos 1.471 de 2017, baixa de 19,3%, mantendo a proporção diante das inscrições. O Brasil foi o terceiro país mais premiado, atingindo a marca de 101 Leões (dois a mais que no ano passado, mesmo com menos trabalhos enviados). Foram dois Grand Prix, nove Leões de ouro, 31 de prata e 59 de bronze (veja todos aqui). Ficamos atrás do líder Estados Unidos e do Reino Unido.
2. Networking
É absurda a força de Cannes para networking. Muita gente vai para lá sem estar concorrendo a prêmio, sem ter os custos arcados pela empresa e sem sequer saber quem vai estar nos painéis e palestras. O fundamental é achar o evento mais badalado, a reunião ideal, o coquetel certo, o grupo de whatsapp que vai indicar onde a galera vai almoçar ou tomar um rosé.
Dentro ou fora do Palais, nos eventos oficiais ou na frente do Martinez – uma espécie de micareta corporativa onde todo mundo está no camarote –, o poder de estar no lugar certo com as pessoas certas, mesmo que você nem saiba naquele momento que aquela pessoa é a certa. Pode acompanhar nos veículos do trade ou na conversa entre amigos da indústria: julho é o mês internacional de troca de emprego entre publicitários. E Cannes tem 100% de influência nisso.
3. Menos dias: valeu a pena?
Uma das principais mudanças para este ano foi a redução de dias do festival, de sete (domingo a sábado) para cinco (segunda a sexta). Na teoria, a meta era baixar custos de quem investe para estar lá e não tirar ninguém de seus postos de trabalho por tanto tempo. Na prática, porém, essa conta não parece ter valido a pena.
Primeiro porque a maioria dos participantes já se programava para chegar durante um fim de semana e sair no outro. Com isso, poucas pessoas mudaram a programação de hospedagem e alimentação por conta da redução. Segundo porque o principal impacto foi na agenda do evento, que ficou extremamente apertada.
Com 26 divisões distintas de premiação, todos os dias oficiais tiveram cerimônia de entrega de Leões, sem deixar qualquer noite livre para outros eventos oficiais ou extra-oficiais. Além disso, pela quantidade de prêmios entregues, cada vez menos trabalhos são exibidos para quem vai ao auditório e cada vez mais o ritual fica longo e cansativo.
4. De tudo um pouco
O mais bacana de Cannes é que o evento é extremamente personalizável. Cada pessoa que vai para o festival consegue, sem grandes esforços, focar-se nos seus principais objetivos de viagem. E os perfis são inúmeros.
Há quem vá só para ver trabalhos, e as estações instaladas dentro do Palais permite que você veja praticamente todas as inscrições de todas as categorias, além das exposições físicas de peças no shortist. Precisaria de umas duas semanas para zerar tudo, mas tem nerd de todo tipo. Para os loucos das palestras, dá tranquilamente para chegar às 10 da manhã e ir até as 5 da tarde sem almoço, pegando conteúdos que vão do modelo de agência do futuro e da tecnologia para carros voadores à bate-papo com ícone teen e Yoko Ono gritando desafinada.
Tem quem vá só para pegar balada e tirar foto com famoso, para abordar os CEOs de grandes grupos pedindo emprego, para vender agência, fazer parceria, tirar férias na praia na conta da empresa, trocar de agência, abordar cliente do concorrente, ganhar conta e, claro, aprender muita coisa nova.
Cannes é uma terra fértil de oportunidade, onde dá para fazer de tudo um pouco. E como na maioria das questões filosóficas, o equilíbrio sempre é o mais indicado.
5. O valor do “Badge”
Outra mudança foi no valor das credenciais de delegado para o Cannes Lions, as famosas “badges”. Na teoria, rolou uma redução de quase 25% para a opção mais tradicional, para os cinco dias de evento, que saía cerca de € 3 mil. Mas na prática…
A principal usabilidade da credencial é entrar no Palais des Festivals, sede do evento. Até uns cinco ou seis anos atrás, 100% do Cannes Lions acontecia lá: palestras, premiações, workshops, exibição de trabalhos e networking. Hoje, porém, a cidade é tomada por uma centena de eventos paralelos, seja de anunciantes, seja de prestadores de serviço, seja das próprias redes e grupos de agências.
Nos últimos anos, as palestras se tornaram um misto entre conteúdos extremamente relevantes, discursos de pessoas com muito a acrescentar, grandes discursos de autopromoção e gente falando mais do mesmo. O pior é: você só descobre depois de programar e sentar lá, abrindo mão de todo o resto. E é fundamental que esse risco seja minimizado, garantindo que o conteúdo consumido ali seja claramente valioso.
Muitos brasileiros que compraram as badges para este ano passaram mais de 80% de seu tempo fora do Palais, em outros compromissos ou atrações – ainda mais em ano de Copa. A maioria deles confirmou que definitivamente estarão em Cannes ano que vem, mas que dificilmente investirão os mais de R$ 12 mil reais para ter o crachá no pescoço.
Cannes precisa rever não só o valor financeiro, mas o valor real de sua credencial. Transformar as palestras em algo realmente imperdível, mais bem programado, melhor divulgado e mais atrativo é um caminho. O outro é amarrar melhor as atividades que acontecem em torno do festival, fazendo que a credencial seja a chave e o acesso para muito mais que entrar naquele imponente prédio da Croisette.
6. O júri e o julgamento
Ser jurado do Cannes Lions é uma das maiores honrarias possíveis para um publicitário. E o Brasil sempre foi referência em nomes para representar o país nas mais diversas categorias. Este ano, duas questões foram amplamente discutidas nesse sentido.
A primeira foi em relação a nomes que chegaram aos júris sem grande conhecimento sobre o festival, sua dinâmica e sua relevância – e não apenas no Brasil. Num esforço extremamente genuíno da organização em alcançar um corpo de jurados mais plural – seja na questão de gênero, seja nas especialidades e origens –, alguns nomes que não demonstravam credenciais suficientes acabaram eleitos para o grupo. Dores dos novos tempos, mas que precisam ser gerenciadas com mais cautela.
O outro é o novo sistema, que visa ter menos jurados presenciais para manter o debate e as decisões sobre os prêmios no mais alto nível possível. Para tal, alguns nomes foram selecionados para julgar apenas o shortlist, online, sem estar na cadeira final. Com isso, milhares de trabalhos inscritos sequer saíram de seus países ou chegaram ao conhecimento do júri definitivo, tendo sido “barrados” por notas baixas já na prévia online. É como mandar seu filho para o intercâmbio e ele acabar acampando no pátio do colégio. :)
7. Muita praia para pouco “banhista”
Os espaços dos grandes grupos de mídia, anunciantes, grupos internacionais e outros players da indústria espalhados pela Croisette (avenida principal de Cannes, onde tudo e todos se concentram) estão cada vez mais profissionais. As praias de Facebook e Google, por exemplo, seriam autosuficientes para receberem visitantes durante a semana toda, com sua própria programação de palestras e eventos, comida, bebida e atividades que vão desde workshops interessantíssimos a beach volley e passeio de banana boat. Vai vendo.
O problema é que é tanta coisa, tão espalhada e tão desencontrada que fica literalmente impossível ver metade delas, ou saber onde é o melhor lugar para se estar naquele momento. Mesmo com a enorme quantidade de visitantes (cerca de 16 mil), há muito mais atrações que gente para visitar. Isso acaba levando um número cada vez maior de pessoas para fora do Palais, dispersando grande parte da audiência e deixando diversos locais extremamente obsoletos.
Quanto mais Cannes conseguir integrar todos os players como parceiros e parte oficial do evento, alinhando os principais acontecimentos e dividindo-os por especialidades (o que fará sentido para públicos distintos), mais o festival otimizará a experiência de quem está na Riviera Francesa e não está a passeio.
8. O legado criativo
Cannes nasceu como um prêmio à criatividade em comerciais para cinema, evoluiu para os filmes publicitários em geral, depois para outras mídias e atividades, até ganhar, só mais de 50 anos depois de seu nascimento, um caráter de evento completo – com debates, conteúdo, ativações e um mundo inteiro girando ao redor. Seu primeiro grande trunfo é, desde a edição 1 (estamos na 65ª), deixar um legado sobre criatividade, celebrando o que aconteceu e indicando o caminho para o futuro da comunicação.
Sem grandes protagonistas pontuais como no ano passado, em que “Fearless Girl” e “Meet Graham” ganharam quase tudo, o legado criativo deste ano fez jus ao que se espera do maior festival de criatividade do mundo. A lista de Grand Prix (o prêmio máximo de cada categoria) de 2018 é inspiradora e digna de aplausos. Aliás, dá para ver todos eles aqui.
Outro ponto positivo vai para o portal “The Work”, lançado pouco antes do evento deste ano e onde é possível navegar com detalhes por mais de 200 mil trabalhos inscritos no festival, com direito não só a videocase, mas também insights, resultados e contexto de seu desenvolvimento.
9. O resumão
Se você ficou com preguiça de ler tudo e chegou até aqui, a gente quebra o seu galho e faz um resumo do resumo sobre as principais percepções após o Cannes Lions 2018:
– Cannes é grande e importante o suficiente para ter o tamanho que tem. E cinco dias não são o bastante para todo o conteúdo, eventos e premiações que o evento oferece, a não ser que sua agenda seja consideravelmente revisada e enxugada.
– É preciso deixar o evento mais barato, especialmente pela loucura do câmbio para a maioria dos países. Os custos que mais doem no bolso são o da credencial e de inscrições dos trabalhos para a disputa por Leões. Mantendo esse patamar, cada vez menos investimento será realizado em ambos.
– A credencial precisa ter mais valor, ou vai perder aderência já na próxima edição. É preciso que estar no Palais seja fundamental ou que toda a cidade vire definitivamente parte do Cannes Lions, e não que o evento seja apenas um atrativo para a viagem até a França e outros acontecimentos ao seu redor.
– Ir para Cannes continua mudando a carreira de quem vai, especialmente as primeiras vezes. O contato fácil com profissionais incríveis das mais diferentes especialidades, os trabalhos que você gostaria de ter feito e nem sabia que existiam, a apresentação de alguém que nunca passaria por perto de você se não fosse lá… tudo e todos ficam mais acessíveis, abertos, simpáticos. E isso tem um valor incrível!
– É fundamental que os grandes grupos e players voltem a abraçar Cannes. Nos últimos anos, líderes como Martin Sorrell (WPP) e Arthur Sadoun (Publicis) vieram com muito mais críticas e ações negativas que com sugestões ou mudanças positivas em relação ao festival que ajudou a alavancar suas carreiras pessoais, seus negócios e de seus clientes. E mesmo com todas as pedras e ações contrárias, adivinha onde eles e suas empresas estavam na semana passada?
– Vá a Cannes ano que vem. Mas faça o possível para que seu Cannes valha realmente a pena. E descubra como você pode contribuir para que Cannes valha a pena para todo mundo. :)
Updater: Karan Novas
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