Clarice Lispector: A morte é um encontro

Comecei lendo “A Hora da Estrela” e só tenho uma palavra para Clarice: magnífica. A maneira como ela aborda questões existenciais é realmente incrível.

Macabéa é uma jovem imigrante alagoana que vai morar no Rio de Janeiro em busca de melhores condições de vida. A tia de criação a maltratava, mas ingênua como só ela, Macabéa não se dava conta de muitas coisas ao seu redor, inclusive da maldade da tia. Rodrigo é o narrador-personagem, que conta a história de Macabéa, deixando claro um conflito entre ódio e amor em relação à alagoana. Com isso, suas reflexões trazem algo a mais para a história que está sendo narrada.

O interessante é que Macabéa não é uma jovem comum, pois mal tem consciência de sua existência, assim como todos ao seu redor, que dificilmente se dão conta de seus passos e respiros.

[divider layout="2" color=""]

“Só vagamente tomava conhecimento da espécie de ausência que tinha de si em si mesma.”

[/divider]

Esse é um dos trechos narrados por Rodrigo que enfatizam a alienação em que vive a alagoana.

“Achava que cairia em grave castigo e até risco de morrer se tivesse gosto. Então defendia-se da morte por intermédio de um viver de menos, gastando pouco de sua vida para esta não acabar.”

[/divider]

Já aqui é possível notar que a descrição de Rodrigo nos remete a uma moça sem gosto pela vida, sem grandes prazeres. No entanto, o interessante é a sua falta de consciência em relação a isso. Ao longo da narrativa é possível perceber que, para ela, a vida simplesmente é daquele jeito e não há motivos para questionar.

No decorrer da história, a moça começa a namorar Olímpico de Jesus (o próprio nome do rapaz já é uma ironia e tanto). Acontece que ele acaba trocando Macabéa por Glória, sua amiga de trabalho. Esta indica à Macabéa uma cartomante. A alagoana, que tinha acabado de receber a notícia de que estava doente, vai até a cartomante que a ilude dizendo que terá um futuro maravilhoso. Neste momento, Macabéa – ingênua, tola e ignorada pela sociedade– começa a se sentir diferente, como se as palavras da cartomante já fossem o suficiente para que sua vida, a partir daquele momento, tomasse um rumo distinto. Sai cheia de esperanças da cartomante, imaginando como sua vida será a partir de então, porém, vai de encontro com a morte. Macabéa é a atropelada e enfim sua estrela brilha.

[divider layout="2" color=""]

“Assim como ninguém lhe ensinaria um dia a morrer: na certa morreria um dia como se antes tivesse estudado de cor a representação do papel de estrela. Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, é o instante de glória de cada um e é quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes.”

[/divider]

Melancólica, como toda a sua existência havia sido até então, a morte de Macabéa é o seu triunfo. Morre feliz, esperançosa e, finalmente, enxergada. A jovem tão ignorada por si própria e pelo mundo que a cerca, se encontra na sua morte.

E com Macabéa me coloquei a pensar: quantas pessoas são Macabéas? Talvez não tão ignorantes como ela, mas quantas pessoas, assim como ela, se encontram apenas na morte?

Como disse o narrador Rodrigo: “A morte é um encontro consigo.”

Updater: Do Leitor

Reply

or to participate.