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Collision 2019 exalta a diversidade como premissa para inovação

Considerada uma das conferências de tecnologia que mais cresce na America do Norte, a Collision está de casa nova, e pela primeira vez em Toronto, no Canadá. A irmã menor da européia Web Summit tem atraído olhares do setor de tecnologia, principalmente após a mudança de sede.
Com mais de 25.000 participantes de 125 países, a Collision promete entrar no circuito dos grandes eventos, e solidifica o Canada como um importante roteiro para tecnologia e inovação. Tentei compilar uma pequena parte do que aconteceu por aqui nos quatro dias de evento. Seis tópicos chamaram a atenção.
1. Cannabusiness
Como era de se esperar, a indústria da Maconha Cannabis teve presença marcante na Collision. Apesar de polêmica, a Cannabis é vista há anos como um mercado promissor, e the next big thing para alguns especialistas, principalmente em países que adotaram posturas mais flexíveis para o consumo e cultivo através da legalização e/ou regulamentação. Alguns acreditam que a forte presença do tópico na Collision também tenha se dado graças ao contexto canadense, sede do evento.
Um dos destaques foi o keynote do ator Seth Rogen e de Evan Goldberg, fundadores da Houseplant, startup canadense de produtos e derivados da Cannabis. A sessão foi mediada por Karan Wadhera, Managing Partner da Casa Verde Capital, fundo de investimento pioneiro na indústria. Além da discussão sobre os impactos legais e sociais da abertura deste mercado, os fundadores falaram sobre os princípios norteadores da marca como: educação e consumo responsável da Cannabis. Além disso, a marca defende uma politica inclusiva de recursos humanos na contração de consumidores de Cannabis.
A Housplant foi fundada sobre educação e se estende além do consumo seguro e responsável de produtos de cannabis. Temos a obrigação moral de construir uma indústria que se comprometa a mudar as injustiças que continuam a existir. Estamos empenhados em trabalhar em estreita colaboração com outros líderes do setor, equipes jurídicas, políticos e organizações sem fins lucrativos para ajudar as pessoas afetadas negativamente ou condenadas por atos menores e não prejudiciais de cannabis.
Diversas outras sessões temáticas trataram de aspectos medicinais, tecnologia aplicada à educação, plantio e comercialização. Apesar de promissora no âmbito de negócios e oportunidades, a Cannabis ainda enfrenta desafios importantes principalmente através da ótica cultural, legal e social.
2. Hypersegmentation
Um dos aspectos que chamou atenção não foi exatamente uma novidade, mas uma comprovação: a hypersegmentação se tornou um dos maiores direcionadores de negócios em startups. Enquanto as empresas full service — principalmente de customized software solutions — foram soterradas (ou adquiridas) por gigantes como Amazon, Dell, Facebook, Microsoft, Oracle etc., pequenas startups com propostas de valor para nichos muito específicos ocuparam grande parte dos estandes e sessões.
Tivemos a oportunidade de acompanhar diversas sessões de pitching onde o nível de profundidade e nicho de alguns negócios foi impressionante. De reforma de telhados e revenda de produtos de bebê até uma rede de suporte e tratamento de câncer canino, foram alguns exemplos de que o mercado é baseado na solução de “pequenos” problemas.
Na prática
Deep Scavenger – A pesquisa de mercado e validação com usuários devem ser a prioridade. O esgotamento de possibilidades diante de um setor, público ou mercado foi apontada como fundamental para a lapidação de uma proposta de valor original.
Local first – Antes de dominar o mundo, é preciso dominar as beiradas através de grupos (inclusive family & friends), comunidades e cidades all the way up. A construção de um banco de usuários/consumidores robusto e fiel é um fator muito valorizado por investidores. Pessoas confiam mais em empresas que se propõe a fazer menos, mas melhor.
Execução – Nenhuma ideia, por mais original que seja, se sustenta sem que seja tangível ou materializavel. É um diferencial? Sim, porém, a execução não pode ser a proposta de valor principal de negócios baseado em tecnologia — é um pré-requisito. Without intelligence — technology will be easily replicable and replaceable.
Foco – Resolva um problema, não todos. Este parece ser o mantra do empreendedorismo moderno, principalmente entre as startups. A hipersegmentação permite que negócios foquem em soluções avançadas para problemas de nicho.
3. Data, ML & AI
No filme AI – Inteligência Artifical de Stephen Spielberg, há uma cena em que os protagonistas frequentam uma cabine da rede “Dr. Know”. Nela, um personagem holográfico — um arquétipo clássico de cientista maluco / Albert Einstein — se apresenta como uma espécie de oráculo para qualquer assunto conhecido. A cena é visualmente fascinante, porém, o que chama atenção é a fala do personagem interpretado por Jude Law: “atualmente, nada custa mais caro do que informação”.
Não é de estranhar que um dos trending topics da Collision tenha sido a cultura de dados. Dificilmente recordo de ter assistido a uma sessão sem que data, AI e machine learning não tenham sido mencionados. De bancos a hospitais, cidades e até a industria de entretenimento, ficou evidente que o processo de decisão — seja lá qual for — é cada vez mais baseado em uma quantidade massiva de dados. A presença de diversos CDOs, Chief Data Officers, nas sessões e keynotes reforçaram a fluidez da cultura dentro das organizações.
Além de uma infinidade de startups, algumas palestras chamaram atenção para o tema. Uma delas foi com Jaya Kolhatkar, CDO da Hulu, que falou sobre os desafios e oportunidades que os dados trouxeram para o mercado de entretenimento impactados pelos cable-cutters (pessoas que trocaram a tv a cabo pelo streaming). Destaque para os produtos focados em binge watching — a famosa maratona de séries, que por sinal só é considerada maratona quando você assiste a 3 episódios em sequencia.
Mona Siddiqui, CDO do U.S. Department of Health and Human Services, tratou do risco e combate aos anti-vaxxers, seita comunidade conspiratória internacional cuja teoria defende que a vacinação causa autismo, além de considerá-la uma ferramenta de controle por parte dos governos. De acordo com Mona, os dados tem auxiliado a diferenciar opinião de informação, principalmente em redes sociais.
Darren Hendler da Digital Domain, tratou sobre o processo, riscos e desafios que a criação de personagens digitais trazem para a indústria de entretenimento e mídia em geral. A Digital Domain é uma produtora de vídeo especializada em cinema e televisão. Mais recentemente foi responsável por parte dos efeitos da franquia Avengers. A sessão tratou de celebridades digitais, mostrou o processo de captação e digitalização do personagem Thanos, assim como uma série de outros personagens criados a partir de algoritmos baseados em dados e machine learning.
Assistentes pessoais também dominaram a conferência, de plataformas financeiras e educacionais, à interfaces de telemedicina e de entretenimento. Tive a oportunidade de assistir a uma sessão técnica sobre o Augmented AI com Bharath Kadaba, Chief Innovation Officer da Intuit. Os maiores desafios no desenvolvimento de AI no contexto de assistentes pessoais descritos por Kadaba podem ser sintetizados em 3 E’s:
Empatia — como tornar a experiência mais humana e natural?
Expertise — como fornecer dados precisos para que a plataforma seja útil?
Ética — como proteger o usuário e as organizações?
A cultura de dados é ao mesmo tempo fascinante e confusa, pois normalmente os exemplos são baseados em casos abstratos para a maioria das pessoas — e lembram muito a ficção científica de Spielberg. Na Collision, por outro lado, foi possível ver dados sendo aplicados de forma explícita em contextos assustadoramente cotidianos.
4. Big Tech under fire
Poucas vezes presenciei ataques públicos tão pesados contra empresas como vimos na Collision. Ao contrário do jogo corporativista, típicos em eventos de tecnologia onde os patrocinadores ditam as regras, Google e Facebook (em especial) foram alvos de duras criticas por diversos participantes e keynote speakers. Monopólio de informação, falhas na politica de privacidade e excesso de poder foram os principais pontos debatidos. Duas sessões chamaram atenção.
Na primeira, Alex Stamos — ex Chief Security Officer do Facebook e professor de Stanford — foi entrevistado por Kara Swisher (Recode) em uma sessão tensa repleta de troca de farpas. Kara fez duras críticas à politica de privacidade do Facebook, e acusou publicamente a empresa de Zuckerberg de influenciar diretamente o processo eleitoral de diversos países como Estados Unidos, Hungria e Índia — estranhamente o Brasil não foi citado.
Além disso o massacre de Christchurch — transmitido ao vivo pelo Facebook — foi apontado como a prova definitiva de que as redes sociais têm poder demais. Stamos admitiu problemas sérios com a plataforma, e sugeriu que Zuckerberg indicasse um novo CEO, desmantelasse a estrutura de produtos para um formato mais transparente, e investisse pesado em encriptação e leis de privacidade. Para Kara, isso não seria o suficiente, depositando grande expectativa na regulamentação das redes sociais.
Porém, Zuckerberg não havia apanhado suficientemente. Na segunda sessão, Roger McNamee — executivo veterano do Vale do Silício e autor de Zucked: Waking Up to the Facebook Catastrophe — continuou com duras criticas à plataforma, especialmente sobre o excesso de poder da empresa. Se posicionou como um fiel defensor do desmantelamento das grandes redes sociais através da regulamentação e limitação de seus poderes. Afirmou que o Facebook faz um desserviço à cultura, ciência e ao conhecimento em prol de seus interesses financeiros.
“É o maior, e um dos lugares mais importantes onde os cidadãos trocam pontos de vista. E toda interação é governada pelos termos de serviço de uma corporação privada cuja prioridade é o lucro”.
McNamee também responsabilizou a cultura do Vale do Silício ao criticar o seu modelo agressivo e estritamente comercial, onde empresas se tornam máquinas de fazer dinheiro a qualquer custo, ignorando usuários, funcionários, fornecedores e comunidades inteiras. Segundo ele, o modelo californiano começa a mostrar sinais fortes de desgaste e saturação.
A tônica do discurso foi um elogio à Collision pela transferência da sede do evento para Toronto, e ao fato de que países como Canadá começam a desenvolver modelos mais eficientes e sustentáveis, baseados em crescimento e desenvolvimento de comunidades de inovação.
5. Culture
Tive a oportunidade de participar de algumas sessões temáticas da Startup University — parte do evento focada na orientação e desenvolvimento de Startups. Dentre workshops de pitching, plano de negócios e recursos humanos, o que me chamou mais atenção foi um consenso sobre cultura corporativa.
Não é novidade que as relações de trabalho mudaram, porém, nenhum outro mercado mudou tanto quanto o de tecnologia. A quebra de modelos tradicionais obrigaram as empresas a se reinventar, em como recrutar talentos em um mercado tão competitivo, mas também para desenvolver uma visão e proposta de valor originais. Tudo isso porque usuários, além de produtos e serviços, consomem cultura.
Max Mullen, Co-fundador da Instacart, falou de reconhecimento, consistência e ambiente como aspectos fundamentais para a criação de manutenção de cultura dentro da empresas. Ainda, admitiu que a cultura precisa ser revisada (e modificada) periodicamente para que esteja alinhada com a visão da companhia e verdadeiramente aceita pelos colaboradores. O perfil cultural do Instacart foi montado por funcionários através de diversos grupos de trabalho segmentados por áreas. No entanto, segundo ele, ser exemplo e cobrar exemplo é o maior ativo que um empreendedor pode trazer para sua empresa em termos de cultura.
Reconhecimento e espaços de trabalho constroem cultura.
Além disso, inúmeras startups se beneficiam deste momento através do desenvolvimento de produtos focados em manutenção da cultura. Sejam elas plataformas de comunicação e gestão de projetos, programas de incentivo para colaboradores e de recrutamento.
6. Diversidade, cidades e inovação
Público Feminino
De acordo com os números oficiais, a Collision contou com 45,7% de mulheres dentre os participantes do evento. O protagonismo feminino foi marcante, principalmente dentre as keynote speakers, debates e sessões — contraste importante, principalmente no contexto de tecnologia dominado prioritariamente pelo público masculino.
A diversidade ajuda organizações a se enxergarem como ecossistemas.
Programas de mentoria e atração de talentos para tecnologia como o Women in Tech Mentor Programme foram um destaques positivos. A discussão sobre os desafios, e o impacto do crescimento no número de mulheres em cargos C-level em tecnologia foi recorrente em diversas sessões.
Governo
O fundador da Collision, Paddy Cosgrave, explicou que a decisão de trazer a 6a edição da Collision para Toronto não foi simples, e só foi possível diante de um ecossistema complexo e muito bem estruturado em torno de uma cultura de inovação, sustentabilidade e empreendedorismo. Cosgrove afirmou ainda que os três níveis de governo foram fundamentais para a escolha da maior cidade do Canadá como a nova sede da conferência, em detrimento do que seria a escolha mais óbvia, Vale do Silício nos EUA.
Tive a oportunidade de assistir às três sessões com os representantes do governo: o prefeito John Tory, (o impopular) premier da província de Ontário Doug Ford, e o primeiro ministro canadense Justin Trudeau. Além de uma espantosa fluência sobre tecnologia e munidos de dados relevantes para o setor, os três políticos reforçaram que o Canadá desponta como um importante polo tecnológico.
John Tory afirmou que é politica da prefeitura de Toronto apenas apoiar, financiar e participar oficialmente de eventos que estipulem e defendam a equidade de gênero, inclusão e diversidade. Doug Ford (mais apagado — e recebido com vaias) tratou dos incentivos fiscais e programas de fomento à inovação na província. Porém, foi Justin Trudeau que teve mais destaque, ao afirmar categoricamente que o Canadá foi fundado sobre uma matriz apoiada em diversidade cultural, sendo esta a maior vantagem competitiva para a inovação.
Outras cidades canadenses como Calgary, Edmonton e Markham também estiveram presentes como expositores no evento, apresentando suas estruturas e programas para atração de empresas e recursos humanos.
A tentativa de sintetizar com fidelidade uma conferência tão intensa como a Collision foi quase impossível. O FOMO foi constante durante os quatro dias — ter que escolher entre uma ou outra sessão foi uma das partes mais complicadas — até porque tudo ocorria em paralelo.
Porém, Diversidade seria o termo caso tivéssemos que descrever a Collision em uma só palavra. Sem o glamour de Cannes, o hype do SXSW, ou o porte da Web Summit, ela desponta como um evento moderno, bem organizado (não perfeito), com pautas absolutamente diversificadas, e principalmente — focada em negócios e inovação.
A próxima edição do evento será novamente em Toronto entre 22 e 25 de Junho de 2020.
Updater: Marcelo Halpern
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