Como fazer do limão uma caipirinha

Em fins dos anos 60 ou começo dos anos 70, o Luis Fernando Veríssimo era redator da MPM de Porto Alegre e, em dupla com seu diretor de arte, ganhou Medalha de Ouro com um premiado calendário de algum cliente local.

Na cerimônia de entrega do prêmio, diz a lenda publicitária que o discurso do Luis Fernando foi algo mais ou menos assim.

Eu não mereço este prêmio, ele deve ser totalmente dado ao meu colega, diretor de arte.” – e citou o nome, de que não me recordo. 

“Foi ele quem criou o conceito, o layout, deu riqueza visual e ganhou este prêmio. A mim, um reles redator, só me restou escrever o texto de um calendário como todo calendário: segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, dia 1, dia 2, dia 3 e assim por diante, mês a mês, até o dia 30 ou 31, de Janeiro a Dezembro. Tomando cuidado pra não me esquecer dos sábados, domingos e feriados daquele ano.”

Isso foi exemplar pra mim, me ensinou muita coisa.

Poucos meses depois, me lembrei dessa honestidade intelectual e da falta de vaidade do Luis Fernando Veríssimo.

Meu caiu no colo de estagiário um job banal, que os redatores badalados não iriam querer encarar: panfletinho preto e branco, pequeno, pouco maior que um cartão de visitas, bem simples e despretensioso, frente e verso, informando os períodos de rodízio dos pneus, os da frente passando pra traseira diagonalmente, a calibragem correta de cada um, modelo a modelo de pneu, tipos de uso e carga, etc.

Era uma peça de comunicação vulgar e desprezível, no ponto de venda, pra ficar no balcão dos revendedores da Goodyear como prestação de serviço, que ninguém notava, nem os próprios funcionários das lojas.

Qual meu papel como redator dessa peça sem glamour criativo? Até onde eu poderia ir além, criando algo, como me ensinou o exemplo do Luis Fernando Veríssimo?

A McCann tinha um argentino, fora do país por razões políticas e fora do eixo por razões de genialidade profissional: Héctor Tortolano. Então ilustrador, depois diretor de arte e artista plástico, de muito talento.

Chamei o pibe clandestinamente num canto, porque naquele início dos anos 70 não havia duplas de criação formais, oficialmente. Héctor e eu começamos a criar uma ideia pra transformar aquele folhetinho técnico, em preto e branco, nanico e chato, em algo que atraísse o consumidor nos revendedores. Encontramos a ideia!

Falei com os Diretores de Conta, Maurice Cheyney e Conrado Porta, falei com o Cliente, Tamas Rohony, e fui ter aulas com o Expedito Marazzi, o piloto de provas da Goodyear. Primeiro, no campo de provas da Goodyear na época. Depois nas ruas então vazias do Alto de Pinheiros.

Foi uma semana intensa e rica pra mim, aprendi muito sobre pilotagem ousada e ao mesmo tempo segura, aerodinâmica, manobras, truques. E, claro, sobre a importância dos pneus e como mantê-los.

Voltei pra McCann com uma ideia. Héctor e eu transformamos todo o conhecimento que adquiri numa peça de comunicação interessante, atraente para o consumidor.

Batizamos a peça de “TTPP: Truques e Técnicas para o Piloto”.

Era um pôster colorido, no formato A3. Na frente, uma foto majestosa do Jack Stewart, então campeão da Fórmula 1 e porta-voz da Goodyear no mundo todo, inclusive no Brasil. O pôster já chamava a atenção por aí.

No verso do pôster, todos os dados técnicos sobre os pneus e mais dicas sobre como pilotar bem e com segurança. Quando dobrado em quatro, o pôster se transformava num folheto normal, com todas essas informações, ricamente ilustradas pelo Héctor.

Uma série de dicas que o Expedito Marazzi me ensinou sobre como dirigir na chuva, como besuntar o para-brisa do carro com o tabaco do cigarro se o limpador quebrar, como frear antes da curva no limite da velocidade segura, como fazer punta-e-taco e dar cavalo de pau numa emergência, como mudar marchas sem acionar a embreagem, seguindo apenas o som do giro do motor, como corrigir a trajetória do carro se ele sair de traseira ou de dianteira. E muito mais.

Claro, entre as dicas lá havia inclusive ensinamentos sobre a manutenção dos pneus, informando os períodos de rodízio, os da frente passando pra traseira diagonalmente, a calibragem correta de cada um, modelo a modelo de pneu, tipos de uso e carga, a importância deles para o sucesso das manobras descritas acima.

O “TTPP: Truques e Técnicas para o Piloto” foi um puta sucesso, as pessoas entravam nos revendedores Goodyear só pra pegar seu TTPP, o que gerava tráfego nas lojas.

Os revendedores Goodyear pediam mais e mais exemplares, a tiragem aumentou geometricamente, o pôster virou mídia como encarte em revistas, foi adaptado pelo Cliente mundial em vários países.

Criar do nada e sobre o nada, pensar além, não dói e traz algumas glórias. O TTPP ganhou prêmios e alavancou nossa carreira, minha e do Héctor, na McCann.

Mas um belo aumento de salário, que é bom, nada. Só a efetivação como redator júnior, não mais como estagiário.

Texto publicado originalmente no Blog do Perci

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