- Update or Die!
- Posts
- Dor e Glória e porquê você precisa ir ao cinema hoje mesmo
Dor e Glória e porquê você precisa ir ao cinema hoje mesmo

Dor e Glória não tinha me chamado a atenção. Confesso. Para mim, era mais uma produção de Pedro Almodóvar. O famosão do cinema e estava tudo bem. Vida que segue. Entretanto, estava homeopaticamente sendo conduzido por alguns comentários. Era um amigo que falava ali. Alguém da agência que soltava um elogio. Um post no stories. Enfim. Essa série de estímulos e coincidências me levaram para a cadeira do cinema e, finalmente, conferi o filme. E agora: o seu gatilho pode estar aqui.
Não é um big deal. E me perdoe o estrangeirismo cafona no meio do caminho desse texto. É uma dica de amigo. Se você não assistiu ainda: se programe. E não para um filmão, para explosões de Transformers ou para um roteiro incrivelmente bem elaborado de alguma produção francesa. Não é sobre isso. Eu repito: não é sobre isso. Almodóvar nos convida a conhecer algo inédito e o mais irônico sobre isso tudo é o tom biográfico e calmo que explora o poder da simplicidade. Aliás, como ela é poderosa.
O filme é fresh, como costumam dizer os críticos cinematográficos, e diferente deles, posso dizer o que acho sem carregar aquele tom blasé. O filme começa com uma porrada em forma de voz em que a cantora Rosalía protagoniza uma cena de preencher os olhos. Vemos lençóis belamente estendidos em uma das lembranças do protagonista Salvador, sustentado pela atuação de Antonio Banderas, que na trama é filho de Penélope Cruz. Outra figura que não posso deixar de citar aqui.
Dali pra frente, só diálogos bem construídos e uma direção de arte impecável. As cores sensibilizam os olhos. Fazendo sentimentos estranhos caminharem para o nosso cérebro. A construção imagética é cuidadosa e lindamente exata. E o que eu quero dizer com isso é: se você carrega alguma simpatia com arquitetura ou com a beleza da teoria das cores, acredite mim. Vai se impressionar com os frames do filme.
Outro ponto alto: é o jeito não óbvio de colocar imageticamente o corpo homossexual e a maneira de representar o desejo, algo tão comum no humano. Já parou para pensar quantas dores os corpos atravessam? São tantas que nos reconhecemos pela dor. A dor da dúvida. Da possibilidade de abandono. Do talvez, do querer e não poder, da preocupação estética. E de como é complicado construir a nossa própria imagem. O que os nossos corpos podem? Como podem? Até porque, sempre fica a dúvida dentro de um script que não existe. Estamos construindo os desejos dos outros? Dos nossos pais, amigos, chefes? Ou estamos elaborando a nossa própria subjetividade – tijolo por tijolo – enquanto o mundo nos observa?
Dentro dessa complexidade, vejo a narrativa inovando no quesito almodovaresco. Mesmo assim, não existem grandes questões. Problemas. Reviravoltas. Ou tensões. É o simples prazer de observar a vida passando, passando, passando e as coisas acontecendo. Experimentar o novo e observar a sua própria linha-do-tempo com prazer. Aliás, você sabe para onde está caminhando? Acho que ninguém sabe bem. E o filme ilustra isso categoricamente. Ficamos todos os minutos esperando um grande susto. Uma grande sacada semiótica. Mas essa surpresa acontece mesmo é do outro lado da tela. Dentro da gente.
O questionamento é dramático, mas é real. Vê se você concorda comigo: chega um momento da vida em que precisamos fazer as pazes com os nossos eus. E eu não estou falando do clichê de solucionar pendências lá perto dos cinquenta anos. Ou das falas exageradas nos últimos segundos de vida, no maior estilo Sessão da Tarde, dentro do leito da morte. Não é sobre isso e nem sobre boletos. É sobre viver de maneira resolutiva: em que aprendemos vivenciando dor e glória a todo momento. De forma tão veloz que nem conseguimos separar uma da outra. Tudo é dor. Tudo é glória.
E se você não assistiu ainda: tudo nesse texto é um incentivo para você viver essa experiência.
A experiência da pausa.
Da análise.
Da tela do cinema. Sim, uma única tela te encarando (lembra quando isso era mais comum?)
E de uma narrativa sensível para acalmar um coração preso na contemporaneidade.
Vai lá. E bom filme.
Updater: Arthur Zambone
Reply