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Falcon Heavy é uma incrível lição sobre propaganda (mesmo sem ser propaganda)

Qualquer um que estava neste planeta nas últimas semanas (e talvez até fora dele) acompanhou, mesmo que indiretamente, o lançamento do Falcon Heavy ao espaço. Na teoria, trata-se de um projeto científico/espacial liderado por um bilionário tão genial quanto excêntrico, que une ambição e capacidade muito acima da média de realizar projetos antes só possíveis em sonho. Mas a prática vai muito, muito além. E especialmente se você trabalha com comunicação.

Responsável por tudo isso, Elon Musk ficou bilionário graças às empresas que fundou e aos negócios que fez, e não o contrário (como é bem mais normal). Da criação de um próprio videogame na infância a seus primeiros milhões antes dos 30 anos, ao vender uma operação que produzia conteúdo para portais de notícia para a Compaq, em 1999, por mais de US$ 300 milhões. Depois, virou o CEO e maior acionista da PayPal quando ninguém nem sabia para quê aquilo servia, mas que alguns anos depois seria vendida à eBay por US$ 1,5 bilhão.

Pulando a ciência (que todo mundo já discutiu) e focando apenas na comunicação e no marketing, Musk protagonizou no começo deste mês o que talvez seja a campanha publicitária de melhor custo/benefício e efetividade da história. E o melhor de tudo: sem sequer precisar fazer uma campanha publicitária.

Registro oficial do lançamento do SpaceX ao espaço

Todo o projeto do Falcon Heavy foi realizado pela SpaceX, empresa de Musk focada em transformar viagens para fora da Terra em algo mais acessível financeiramente, visando, por exemplo, explorar melhor a Lua, povoar Marte e, no meio tempo, ganhar uma grana como parceira oficial da Nasa. O investimento do empresário para colocar o foguete no espaço com sucesso foi de US$ 90 milhões, mais os US$ 250 mil do Tesla Roadster lançado junto a tudo isso. E aí que nossa conta começa.

“Obviamente”, a Tesla (montadora de veículos elétricos de Musk) seria a coadjuvante no lançamento de um foguete ao espaço. Mas tudo que envolveu a presença do carro no processo transformou-a num case digno de aplausos. Vale relembrar no excelente post de JC Rodrigues aqui mesmo no UoD a quantidade de detalhes que amplificaram a conversa sobre o carro. Desde a escolha do Starman ao volante à miniatura Hot Wheels no painel com o próprio carro e piloto, da mensagem “Don’t Panic” no console, tirada do “Guia do Mochileiro das Galáxias”, à gravação “Produzido na Terra por humanos” em uma das placas, ou ainda “Space Oddity” de David Bowie tocando em looping eterno no rádio.

Câmeras internas do Tesla Roadster: mais de 4 horas de vídeo direto do espaço, transmitidas ao vivo

Só nessa tacada, Musk deu uma sobrevida inacreditável ao lançamento, esse por si só acompanhado por mais de dois milhões de pessoas em tempo real pela internet – segundo evento ao vivo mais assistido da história do YouTube, perdendo apenas para outro case incrível de “propaganda não-propaganda”: “Stratos”, da Red Bull. Nerds, geeks, fãs de música e apaixonados por automobilismo, quatro públicos absurdamente engajados em discutir seus temas prediletos, produziram uma quantidade imensurável de posts, memes, teorias conspiratórias, reportagens completas e material não-oficial de divulgação sobre o conversível vermelho de luxo. Só o vídeo oficial (acima), na data desta publicação, já havia chegado a 15 milhões de views.

De conteúdo oficial produzido por Musk e sua equipe, câmeras de dentro do carro mostravam ao vivo cenas dignas de Hollywood do Starman ao volante e da Terra ao fundo; gráficos detalhavam (e ainda detalham) sua trajetória passada, presente e futura; compilados de dados ofereceram todas as bases, valores, pesos, medidas e comparações com outros foguetes. A riqueza de dados e conteúdo produzido pela empresa gerou uma cobertura midiática tão absurda a ponto do material mais visto e replicado do National Geographic sobre o assunto não ter sido nada científico, mas sim o vídeo exclusivo da reação do próprio Musk ao ver que tudo tinha dado certo.

A reação de Musk, captada pela… National Geographic

Tá, mas cadê essa efetividade toda?

Vamos supor que tudo não passasse de uma campanha para apresentar o Roadster e a própria Tesla ao maior número de pessoas possível. Custo? US$ 90,25 milhões de dólares. Muito? Vamos comparar:

O espaço mais caro de mídia atualmente é o do Super Bowl: US$ 5 milhões para 30 segundos de veiculação durante a final da liga de futebol americano. Detalhe: valido somente para a transmissão na TV dos Estados Unidos e UMA única exibição. Não foram incomuns filmes de 1 minuto de duração durante o evento, o que dobraria esse valor: US$ 10 milhões. A produção de um comercial dessa magnitude nos EUA chega facilmente a US$ 1 milhão, o que nos leva ao número final para uma campanha média de Super Bowl, de um filme 1 minuto, numa conta de padaria: US$ 11 milhões.

Este ano, o Super Bowl – que aconteceu dois dias antes do lançamento do Falcon Heavy – teve pouco mais de 50 anunciantes. Além da TV americana, os comerciais foram amplamente destacados em sites especializados em publicidade, então… com quantos você esbarrou por aí na sua navegação? Você consegue se lembrar de quantos deles hoje? Mais de três? Quantas pessoas da Guatemala, do Nepal ou da Sumatra devem responder “sim” à última pergunta? E quantas delas viram, leram e descobriram a existência da Tesla e do Roadster depois do dia 6?

No último levantamento das maiores verbas globais de publicidade, lançado pela especializada AdAge em dezembro, a Procter & Gamble aparece na primeira posição ao ter investido US$ 10,5 bilhões em um ano. Em segundo está a Samsung, com US$ 9,9 bilhões; e em terceiro a Nestlé, com US$ 9,2 bi – para qualquer um desses, um foguetinho nem ia doer. A japonesa Rakuten, dona de aplicativos como o Viber e o leitor digital Kobo, investiu US$ 1,1 bi em 12 meses. Só para estampar sua marca na camisa do Barcelona até 2021, foram € 55 milhões, que podem se tornar € 75 milhões dependendo das conquistas do clube catalão – aproximadamente US$ 93 milhões (opa! Habemus um foguete espacial!).

Só no Brasil e no primeiro semestre de 2017 e de acordo com dados da Kantar Ibope, a Hyundai foi a montadora que mais investiu em compra de mídia: R$ 482 milhões (aproximadamente US$ 149 milhões). Volkswagen investiu R$ 381 mi (US$ 117 mi) e GM, R$ 335 mi (US$ 103 mi). Cada cota de patrocínio anual ao futebol da Globo para 2018 foi oferecida a R$ 230 milhões (cerca de US$ 71 mi), adquiridas por Ambev, GM, Hypermarcas, Itaú, Unilever e Vivo.

Óbvio que muitos desses valores são estimados e que não faria sentido para cada uma dessas marcas lançar foguetes com cervejas, cartões de crédito ou celulares acoplados. E muito menos a repercussão simples do fato seria a mesma. Mas sim: marcas gastam cifras gigantescas em publicidade banal. E a lição que Musk passa à indústria da comunicação é bem mais palpável que qualquer estimativa.

Numa era onde se discute multiplataformas, produção de conteúdo, ativação, patrocínio, geração de mídia espontânea e formas de colocar as marcas organicamente na boca (e na vida) das pessoas, o Tesla Roadster foi bem mais longe que o cinturão de asteróides depois de Marte. Sem passar por qualquer discussão sobre modelo de negócio de agências, por pré-testes ou por discussões de quem assina ficha técnica, ele chegou, arrisco dizer, próximo de impactar 100% de qualquer um que possa um dia decidir investir US$ 250 mil para ter um na garagem, além de servir como inspiração e aspiração para outros tantos milhões que jamais sequer vão pegar carona em um. Com muita criatividade e ousadia, virou cultura pop, viralizou e virou meme simplesmente por ser colocado de forma magistral num projeto que certamente nem tinha nada a ver com ele quando foi pesando.

É propaganda? Branded content? Digital? Live marketing? Talvez seja tudo isso, ou talvez nada. E aposto que Musk não se importa. Tomara que não. Seria uma preocupação muito pequena para quem conseguiu, independentemente de um rótulo marqueteiro, muito além do que qualquer campanha publicitária poderia sonhar.

Updater: Karan Novas

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