Manifestações: A hora mais escura

Belo vídeo que o diretor Renato Cabral produziu e enviou para o UoD! Valeu, Renato!

A HORA MAIS ESCURA (texto e imagens: Renato Cabral)

A hora mais dura é essa hora escura.A hora em que os homens abrem os olhos.E ainda não conseguem ver.A hora em que as feras adormecem.E a esperança se descobre do medo.

A hora mais dura é a hora da fome.Em que tontos, tropeçamos.Em todas as fomes.De todos os homens.

Onde nenhum santo dá conta.Nenhum gênio pode ajudar.

A hora mais dura é essa hora escura.Onde uma mão não encontra seu cajadoNem sua sombra.Onde todas as bandeiras são em vão.Porque não dão conta do homem.Nem mais da sua solidão.

E agora os gritos, as bombas, os tiros.A multidão junta.A multidão em cada um.E o futuro sobre os ombros.E lá, o céu que nos projeta.E cá, o chão que firma cada passo.

Mas nós, aindaComo sombras num quartoTateando uma saída e um além.Como lágrimas na chuvaLutando por não se dissolver.

E a rua.E nela o nosso troco.Todos agora cobradores.Desse preço que sempre se pagou.E nunca se recebeu nada em troca.

Esses 20.Tão pouco.Moedinha que se troca por esperança.E por consciência.

O troco que todo mundo joga fora.Que ninguém se lembra de guardar.Hoje, o troco que será lembrado não pelo que vale.Mas pelo que representa.O valor absurdo a ser levado pra casa.

O mundo nos devolverá a rotina e à engrenagem.A selvageria de todo dia.E rodaremos de novo a roda malograda.Máquina a nos devorar.Subiremos de novo neste ônibus.Mas agora o ônibus em nossa sala de estar.E nós nunca mais os mesmos.Nem no mesmo lugar.

Porque a mudança não é que vem.É o que já é. Já está.É essa memória impressa nos olhos.Peso nas costas pela responsabilidade por um tempo.É essa urgência que te apressa,Esse mal-estar que te atropela.É a comoção com os passos tortos e cegos.O dos outro e os nossos.São os olhos arregalados de quem não pode mais deixar de enxergar.

Mas porque a hora mais dura é essa hora escura.Ela não precisa ser a hora tardia.Nem a vazia.Porque os olhos só se abrem ao caminhar.E o caminho só se faz quando passamos por ele.Andemos… então.Não para construir o caminhoOu para ver mais.Mas para que a história se lembre de nós.E nós, do que fizemos com nossas sombras.Que não foram poucas.Que não foram em vão.

* Por Renato Cabral

Updater: Gustavo Giglio

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