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O Farol está quebrado

Saiodo Petra Belas Artes com chuva nas costas. Pra quem não conhece, é um cinema derua bem famoso aqui em essipê. E depois de um preto e branco estupendamentebelo na tela, me assusto com as cores (reais?) do mundo que estão perambulandofora do cinema. Sabe aquela sensação de não-realidade depois de algumas horasconfortavelmente sentado na poltrona da sala de exibição? Pois então. Essesentimento me assombrou assim que deixei o longa O Farol, novo filme do diretorRobert Eggers. E já adianto, distante de qualquer pedestal de crítico cinematográfico,que é um filmaço capaz de dar caldo. E eu vou tentar explicar os meus motivospra dizer isso.
Primeiro,porque acredito que o filme seja uma revisitação (ou por que não chamar deversão em movimento?) do trabalho do artista gráfico Escher. Assistir O Farolme dá a sensação de mergulho, como se a imagem-da-tela não desse mais pé eassim, nos convidasse para entrar em uma fanficcriada por cima das obras do multifacetado pintor. E é legal notar o jeito quea película toda em p&b consegue emocionar e inovar. O farol (objetocinematográfico e objeto-objeto) engana, seduz, entretém e fala sobremasculinidade de um jeito curioso.
Bemresumidamente, o filme conta sobre a chegada do jovem Ephraim Winslow a umfarol de uma ilhada super isolada. A sua tarefa no lugar é substituir oajudante anterior e dar uma mão nas tarefas diárias de Thomas Wake, oresponsável do rolê. A questão é que a relação dos dois se manifesta de umaforma intensa e funda, assim como o mar. A comparação poética aqui, além deficar clara durante o drama, nos faz perguntar sobre: quais são os segredos quenão revelamos nem pra nós mesmos? E quais são as ilhas que nos impedem deencará-los de frente?
(Assuntobarra pra começo de ano, né. Eu sei. Cadê a sua listinha de resoluções?)
E prafalar disso, o diretor abusa do uso das sereias como espécie de elementointrigante na trama. Elas são parte da imaginação dos personagens e estão alimudando os rumos das coisas que acontecem. Gosto de acreditar que são umagrande metáfora fantasiosa onde se pode discutir o desejo e como ele vem sendoexplorado visualmente no decorrer da história do cinema. Até porque aindaestamos presos em uma visão extremamente machista e antiquada quando tentamosdesenhar mentalmente o que é atraente, dito sexualmente ou não. Quer ver só?Tente imaginar agora um ser que exala beleza, juventude e virilidade. Apostoque você caiu nos clichês atléticos, descamisados e já pré-estabelecidos pelamídia anteriormente.
Porisso, que penso, que O Farol é mais uma deixa pra pensarmos sobre a tal da masculinidade.Pra procurarmos ler Judith Butler. E tantas outras importantes filósofas epensadoras que discorrem sobre gênero. Discutir nossas relações e como lidamose respeitamos as manifestações de identidade. Precisamos debater o nível tóxicodo masculino, além do hype que esse termo produz.
Ela (a onda-densa que também é retratada no filme) é alarmante e irritante assim como o berrar de uma gaivota, que quebra todo o clima de uma visão-paraíso-marítima. A sensação atual e o dedo no pulso que sinto é que devemos urgentemente rever o que enxergamos como masculino. Retirar o M maiúsculo e viril que assombra esses corpos. E assim, reinventar – ou simplesmente deixar – que masculinidades (sim, uso o plural aqui) tão distintas aflorem e sejam mais vistas em nossas representações de massa e de entretenimento.
Ohomem, além do machão, precisa existir. E mais do que isso: precisa serreconhecido.
Edesculpas pelo pequeno spoiler, mas preciso citar uma cena do filme em que onosso herói-anti-herói, Ephraim Winslow, se masturba em meio a todo osofrimento encarado dentro de sua rotina de trabalho naquela rocha isolada nomar. É uma punheta dentro do caos. E as imagens, retomo aqui, opreto-e-branco-absurdo-de-bonito do filme, nos mostram um mix de cenas detentáculos, brânquias e outros elementos aquáticos que transformam a cena numa piraincrível com entrelinhas homo afetivas. É bonito de ver. É como fazer partedaquele momento e comungar do masculino que se questiona ali.
Echegamos lá.
Ofarol da masculinidade está quebrado, completamente surtado. O ideal do tritãoforte, com pelo grosso no nariz e autoridade sem fim é um micão sem tamanho.
E euacho que nós precisamos dar um jeito nisso.
Updater: Arthur Zambone
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