O fracasso do Quibi: de quem é a culpa?

Arrogância, ansiedade, pressão dos investidores ou “apenas” a Covid-19? Pouco mais de um mês após o seu lançamento e com resultados decepcionantes, Jeffrey Katzenberg resolveu culpar apenas a Covid-19. Talvez ele não esteja de todo errado, mas uma série de decisões equivocadas, entre elas insistir em lançar uma plataforma de streaming para celulares durante a pandemia, pode ter sido um dos maiores erros estratégicos da história recente do entretenimento!

Jeffrey Katzenberg

Quando os executivos Jeffrey Katzenberg (sócio-fundador da DreamWorks) e Meg Whitman (ex-CEO do eBay e da HP) conseguiram levantar mais de 1,5 bilhões de dólares para fomentar um novo projeto que surgia como uma interessante (e inovadora) opção no mercado do streaming, muito se especulou que esse seria o casamento perfeito entre o Hollywood e o Vale do Silício – e de fato era!

Imaginem uma nova plataforma focada no mobile, unindo altíssima qualidade técnica e artística, em produções curtas e com nomes como Guillermo Del Toro, Antoine Fuqua, Sam Raimi e Steven Spielberg. O conceito era mesmo excelente, perfeito para a dinâmica que estávamos acostumados, onde raramente ficávamos em casa durante a semana, sempre em deslocamento, sem muito tempo para se dedicar a um conteúdo mais extenso e até como alternativa ao aumento absurdo de títulos que começavam a nos impactar por um custo bastante acessível.  

O Quibi prometia produzir 175 atrações originais ao longo dos doze primeiros meses, com séries gravadas em janelas de visualização tanto vertical, quanto horizontal, sem perder a profundidade de cena e com episódios de 10 minutos de duração, em média. É preciso admitir que seria uma espécie de revolução na maneira como as pessoas consumiriam conteúdo sob demanda!

Acontece que pouco antes do seu lançamento, a Covid-19 mudou completamente esse cenário: as pessoas foram obrigadas a ficar mais em casa, os deslocamentos praticamente sumiram com a implementação em massa do home office, fazendo com que o maior trunfo do Quibi perdesse muito valor da noite para o dia – afinal, por que assistir uma série no meu celular se estou em casa e posso assistir na televisão?

OK, mas o que fazer agora? Seguir com o cronograma de lançamento ou esperar a pandemia acabar? Será que essa situação vai se estender até quando? Será que as pessoas vão retomar as suas vidas como antes?

Muitos analistas alertaram que seria um suicídio lançar o serviço nessas condições, mesmo com um preço atraente (o serviço chegou ao mercado com duas opções de assinatura: com publicidade por $4,99; e sem por $7,99) e com um público carente (oi?) de novas opções de entretenimento. Em cima desses dois pilares, Katzenberg resolveu bancar sua decisão de não adiar o lançamento e seguir o cronograma como havia planejado!

https://www.youtube.com/watch?v=N76DzOYxNyo&feature=emb_logo

Após o lançamento, o resultado começou aparecer: na prática, o app não conseguiu se manter nem uma semana na lista dos aplicativos gratuitos mais baixados para iPhone. O Quibi diz que teve 3,5 milhões de downloads, mas a empresa de pesquisa “Sensor Tower” diz que o número real não passou de 2,9 milhões. Porém o dado mais preocupante para o Quibi é que apenas 1,3 milhões de usuários continuam ativos – um número muito (mais muito) abaixo da expectativa: “Não é o que queríamos. Não está nem perto do que queríamos”, afirmou Katzenberg em recente entrevista ao The New York Times. E ainda completou: “Tudo o que aconteceu de errado eu atribuo ao novo coronavírus. Tudo!”

Uma Startup pode errar, mas precisa perceber seu erro rápido, aprender com ele e já buscar novas alternativas para não perder muito dinheiro e assim direcionar seu orçamento na busca da validação de novas hipóteses – pelo menos é isso que o Vale do Silício tanto prega! Mas a insistência do Quibi em limitar seu conteúdo apenas para celular fez parecer que muito do seu valor de produção estava sendo desperdiçado, principalmente em um momento onde, claramente, seu modelo de negócio não estava se encaixando a essa nova realidade.

O engessamento do modelo de distribuição precisava ser revisto, e parece que os números serviram para convencer parte dos executivos da empresa que já garantiram estar se preparando para liberar o conteúdo da plataforma em outros dispositivos (Computadores e Smart TVs): “A gente achou que tinha acertado em um monte de coisas, mas agora, que um monte de gente está usando nossos serviços, percebemos que vários detalhes escaparam”, assumiu Katzenberg.

Embora o Quibi tenha um catálogo de muito respeito (que você pode conferir aqui), é inegável que a falta de percepção (ou arrogância em ignorar um fenômeno tão particular como a pandemia) dos seus executivos, em especial de Katzenberg, além da pressão para que o cronograma de lançamento fosse cumprido, vão impactar os resultados desse primeiro ano: a expectativa era que a plataforma arrecadasse US$ 250 milhões em assinaturas – e isso não vai acontecer! Mas é preciso dizer que, embora o projeto tivesse muita coerência em sua tese, já seria uma tremenda disrupção se seu modelo original desse certo sem nenhuma alteração ou adaptação.

Vale a pena destacar também que 80% dos usuários cadastrados assistiram até o final os episódios da série que se propuseram a ver. Essa é a única métrica que está ao lado Katzenberg nesse momento e é baseado nela que o CEO do Quibi tenta se sustentar e tomar as próximas decisões depois de um começo tão bagunçado.

Para finalizar esse post, peço licença para reproduzir um comentário que o Pedro Couto fez sobre o Quibi em 17 de junho de 2019, na sua coluna sobre tendências no blog da Viu Review: “O apetite do “Quibi” é imenso, assim como a concorrência do setor. Em 2020, o campo para experimentações estará ainda mais escasso. É fundamental que a aposta nesta nova plataforma seja realista e cautelosa, sem ignorar o que os novos entrantes vêm propondo ao mercado. O investimento em estratégia mobile e o conteúdo enxuto de grife hollywoodiana podem chacoalhar as estruturas das gigantes do entretenimento. Veremos se o “Quibi” mostrará fôlego para entrar no time de quem está ganhando.”

Pessoalmente, acho até que a plataforma pode (e deve) se recuperar, mas certamente não terá o fôlego que imaginávamos sem antes rever seu modelo de negócios!

Updater: Andre Siqueira

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