O fundador: Amo muito tudo isso

Depois de ver pela segunda vez “Fome de Poder”, filme de 2016 estrelado por Michael Keaton como Ray Kroc, o investidor que levou o restaurante McDonald’s de San Bernardino, Califórnia, para o mundo, me senti inspirado. Foram despertados em mim alguns pensamentos que detalho abaixo. Compre um Big Mac e aproveite a leitura. Batatas fritas se quiser também (em moderação).

Nunca soube da história do McDonald ‘s, da origem de todo seu sucesso. Em viagens para o interior de São Paulo, olhava para fora do carro e via o famoso logo amarelo de longe, aquele brilho que enchia minha boca de saliva. Era felicidade pura, sem falar no momento em que entrava em um dos restaurantes da franquia, mesmo dentro da cidade de São Paulo, para saborear um belo McChicken ou um milkshake. McDonald ‘s para mim era sinônimo de família, de inocência pura, mas inocência gostosa, livre de preocupações. Fez parte da minha infância e adolescência.

Bom, isso para falar que o filme do diretor John Lee Hancock despertou em mim todas essas memórias. Antes de ter conhecido Dick e Mac McDonald, os fundadores originais do restaurante, interpretados por Nick Offerman e John Carroll Lynch, respectivamente, Kroc era um vendedor frustrado em sua profissão. Batendo de porta em porta tentando vender sua máquina de fabricar milkshake, ele simplesmente não conseguia achar oportunidades de colaboração e trabalho. Até que um belo dia, um restaurante em San Bernardino, Califórnia, liga para seu escritório pedindo uma entrega maior do que o normal, maior do que qualquer coisa que ele já tinha visto. Kroc não conseguia entender como um restaurante poderia servir tanto milkshake como o haviam dito. Curioso, Kroc largou suas coisas e foi para a Califórnia para conhecer o local. Era, de fato, o primeiro McDonald ‘s, e o vendedor se encantou e se apaixonou.

Uma das coisas que mais me inspirou no filme não foi o fato de Kroc ter transformado o McDonald ‘s na maior franquia de restaurantes fast food do mundo, e nem sua paixão pelo negócio. Foi sua perseverança e determinação até chegar neste ponto, seu foco e resiliência. Como o ditado diz, a meta na vida não é a linha de chegada ou a destinação, mas o simples fato de que você se tornou uma pessoa diferente, mais evoluída enquanto esteve trabalhando para chegar nesta meta. No filme, Keaton também repete uma frase originalmente dita por Calvin Coolidge, o trigésimo presidente dos Estados Unidos, que ficou na minha cabeça:

“Nada no mundo pode ocupar o lugar da persistência. Talento não o fará; nada é mais comum do que pessoas malsucedidas com talento. Gênio não o fará; o gênio não recompensado é quase um provérbio. A educação não o fará; o mundo está cheio de vagabundos educados.”

Quem acredita, quem quer e corre atrás, quem não desiste de seus sonhos acaba “ganhando” na vida, como fez o Ray Kroc. Com o passar do tempo, fui percebendo também que a motivação é um fator muito importante para o sucesso, mas só a motivação não basta–ela vem do desejo de querer ser melhor, querer ser minha melhor versão. De fazer a escolha certa, por mais que exista uma parte de mim que queira ficar parado. Perceber isso ao ver o filme foi um verdadeiro momento de “piel de gallina”, como dizem na língua espanhola.

O filme de Hancock também mostra a briga de poderes entre o Ray Kroc e os fundadores do McDonald’s, Dick e Mac. A rápida expansão feita por Ray Kroc, que fez com que Dick e Mac vendessem seu negócio ao empresário, despertou em mim um sentimento um tanto quanto incômodo, que reverbera os ecos incansáveis do capitalismo. Noam Chomsky refletiu esta mesma preocupação em seu livro “The Common Good”, publicado em 1998, falando sobre a realidade de grandes corporações e de nossa sociedade:

“É ridículo falar sobre liberdade em uma sociedade dominada por grandes corporações. Que tipo de liberdade existe dentro de uma corporação? Elas são instituições totalitárias–você recebe ordens de cima e talvez dê-as para pessoas abaixo de você. Tem o mesmo nível de liberdade como o Stalinismo.”

Fico pensando o quanto a área em que trabalho, a do Branding, pode agravar as consequências deste sistema. Li um artigo recente na Folha sobre a dificuldade de ascender socialmente no Brasil. Em média, o pobre no Brasil precisa viver nove gerações para chegar a classe média. Nove! Será que o Branding pode contribuir para essa realidade? Será que o propósito desta área, de diferenciar e vestir produtos com fardas atraentes, pode acabar levando ao consumo exagerado, que agrava ainda mais essa inabilidade de ascensão socioeconômica? Talvez. Pessoalmente, não me vejo como um grande culpado por esses números só pelo fato de ocupar a posição que tenho hoje. Isso seria muito ingênuo da minha parte. E também seria ingênuo colocar toda a culpa no capitalismo. Acho que o que o filme mostrou é que este sistema pode ter sim seus malefícios, mas que também mostra-se como um grande salvador para muitas pessoas.

Quase todos nós sabemos que McDonald ‘s não é lá das comidas mais saudáveis que existem. Mas tirando esse lado, o filme me deixou com uma grande impressão de que umas das grandes missões da franquia é e sempre foi colocar comida e diversão na mesa de muitas pessoas. Pessoas que não se privilegiam dos mesmos recursos dos que moram na bolha da Faria Lima, por exemplo. Nestes casos, o que mais importa é ter alimento, independente da saudabilidade. A pirâmide da FAO bate profundamente neste conceito. O restaurante representa família, compartilhamento de memórias, como as que tive quando era criança, fascinado pelos “arcos dourados” dos estabelecimentos. Acima de tudo, representa a determinação e persistência de Ray Kroc, e a genialidade dos irmãos McDonald. Por tudo isso, e por todos os hambúrgueres que comemos e vamos comer da franquia, temos que ser gratos.

Updater: Gabriel Troiano

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