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O impacto dos layoffs nas áreas de Produto

O ano de 2023 tem sido marcado por demissões em massa nas big techs e empresas ligadas a tecnologia de forma geral. De acordo com a plataforma Layoffs.fyi, que monitora as demissões nos Estados Unidos do mercado tech, mais de 200 mil pessoas foram demitidas somente esse ano. Esse número é significativamente maior do que o registrado de todo o ano de 2022, que teve 164.709 desligamentos, ou até mesmo quando consideramos os anos de 2020 e 2021 juntos.
Mas, das pessoas desligadas, quantas são efetivamente das áreas de Produto? De acordo com a pesquisa feita pela BambooHR com 1.500 funcionários e profissionais de RH dos EUA realizada em abril deste ano, 31% dos entrevistados apontaram a área de marketing como a mais propensa a sofrer cortes, e 30% mencionaram os cargos cujas funções são voltadas para os clientes.
Outro levantamento, este realizado pela Revelio Labs, traz qual cargo lidera as demissões: engenheiros de software representaram 20% dos desligamentos das big techs, apesar de corresponderem a apenas 14% da força de trabalho nessas empresas. Nesse mesmo levantamento o cargo de Product Manager aparece na 6ª posição, com 2,9% dos desligamentos.

No Brasil o cenário é semelhante: Empresas como a Meta, que empregava cerca de 800 profissionais no Brasil, anunciou uma nova onda de desligamentos no dia 24/05 desse ano. Estima-se que cerca de cem profissionais, o equivalente a 10% da empresa, tenham sido demitidos no país, de acordo com interlocutores desses empregados e a organização do Layoffs Brasil.
Ainda segundo a organização, desde o ano de 2022 até o final do mês de janeiro de 2023 foram mapeadas 44 demissões em massa de 38 empresas de tecnologia no Brasil: durante esse período foram pelo menos 5,6 mil profissionais dispensados.
Considerando os 5 primeiros meses de 2023 o cenário é ainda mais desanimador, com um total de pessoas desligados por conta dos layoffs passando de 10.500 ao todo.

O cenário macroeconômicoO contexto que leva big techs e empresas relacionadas a tecnologia a adotarem esses desligamentos precisa ser mapeados e levado em consideração, como forma de entender o mercado não só no mento atual, mas para o futuro a médio/longo prazo.1) A alta inflação nacional, atualmente galopante e que sofre altos impactos especialmente por ser pautada pela indisponibilidade de crédito para a população, leva ao freio na disponibilização de crédito pelas empresas, afetando principalmente as big techs do varejo.
2) A inflação mundial e as altas taxas de juros nos EUA levam muitas multinacionais a priorizarem investimentos em seus próprios países, reduzindo o investimento em empresas de tecnologia no Brasil. Além disso, o “risco Brasil” afeta a confiança dos investidores estrangeiros no país, diminuindo significativamente o capital estrangeiro investido. Entretanto, existem outros fatores a serem abordados em relação às fontes causadoras dos layoffs.O modelo de crescimento de start-upsMuitas start-ups (em especial fintechs) até os últimos anos viviam de ‘cashburn’, ou seja, queimavam caixa advindo de rodadas de investimentos com o objetivo de atender a um mercado futuro por meio do investimento no presente (Netflix e Uber são exemplos clássicos). E esse é o objetivo de investimentos do tipo: pagar por um valor considerado menor do que ele representará no futuro, confiando no desempenho do modelo de negócios dessas start-ups.Entretanto, o cenário atual fez com que o dinheiro ficasse ‘caro’: com a inflação muitos investidores estão revendo suas estratégias a partir do momento que economias como EUA e China trazem opções de investimentos mais seguros com rentabilidades bem em conta, startups e fintechs deixam de ser opções desejadas para investimentos.Aliado ao cenário descrito temos uma peculiaridade em nosso país: o ‘risco Brasil’, um indicador que orienta investidores estrangeiros para negociar (ou não) no país, de acordo com o ambiente financeiro ou com nossa capacidade de honrar, pontual e integralmente, os pagamentos de suas dívidas. O que ocorre no cenário atual é que o índice EMBI+ (referente ao ‘risco Brasil’) tem aumentado, e o retorno tem se estagnado enquanto ele deveria, de forma proporcional, ter aumentado também (quanto maior o risco, maios deveria ser o retorno). Como esse padrão não vem sendo mantido, o capital estrangeiro diminui significativamente (apensar de ainda corresponder a uma grande parcela dos investimentos no país).O reajuste natural do preço dos profissionais pós pandemiaDurante a pandemia, é natural pensarmos que o preço de contratação e manutenção de profissionais diminuiu: muitos escritórios foram abandonados, o home-office foi amplamente adotado e, consequentemente, os custos fixos de muitas empresas diminuíram significativamente.Entretanto, considerando o modelo de start-ups, os maiores custos continuam sendo as pessoas: correspondem entre 30% e 60% de todos os gastos dessas empresas.Mas, durante esse período de pandemia onde as pessoas mal podiam sair de suas casas, quais foram os impactos em relação ao comportamento delas? Passamos a consumir mais tecnologia, de forma mais intensa: seja por filmes e séries via stremming, jogos de videogame, plataformas usadas para estudar ou trabalhar remotamente, ou comunicar-nos com pessoas por meio de aplicativos de mensagens, entre vários outros.Devido a essa nova forma de consumo, as big techs iniciaram um processo de contratação desenfreada durante a pandemia: os profissionais viram seus salários aumentarem entre 20% e 70% de forma geral.No Brasil, uma pesquisa realizada pela Revelo indicou que a aceleração digital elevou remuneração em T.I. em média 55% entre setembro de 2020 a março de 2021 em SP, RJ e BH.Em outras palavras, devido à alta demanda por contratações, as empresas estavam pagando o necessário para atender ao aumento na demanda causada pela pandemia, especialmente na área de produtos.

Passaram-se 2 anos e atualmente a média de tempo dos profissionais das big techs nos EUA, que foram demitidos recentemente na onda de layoffs, foi de 2 anos (ou seja, muitos dos profissionais contratados durante a pandemia). Esse reajuste natural se dá por conta da mudança na necessidade de mercado e cenários econômicos já abordados anteriormente, sendo uma regularização quase natural do mercado.Implicações a longo prazo para a área de produtosDe forma especulativa, é possível fazer alguns apontamentos em relação a possíveis impactos que os profissionais de produtos poderão passar a sentir em um futuro próximo:
1) Reajuste de mercadoConforme já discorrido acima, é de se esperar que vejamos reajustes em relação tanto a cargos quanto salários: durante a pandemia muitos profissionais dormiram com cargo júnior e acordaram com cargo sênior, e o mercado naturalmente tende a se ajustar.
2) Início da desaceleração do segmento tecnológicoCom o aumento de juros, os impactos já são sentidos por diferentes big techs: vamos pegar como exemplo o iFood. Se antes o usuário consumia pedidos via app de forma acelerada por conta da pandemia, com o fim dela e o aumento da inflação, pedir comida para delivery pode ser um aumento considerável no orçamento das famílias brasileiras. Ao invés disso, uma alternativa mais viável pode ser cozinhar com mais frequência na própria casa, por exemplo.Esse tipo de impacto será (e já é) sentido na área de produtos: ao invés de priorizar determinada feature para melhora na usabilidade do usuário, talvez estratégias de rentabilização sejam mais viáveis. Com o orçamento menor, as prioridades de muitas start-ups e big techs mudará drasticamente.
3) DownsizingImpacto direto ao item 2, o escopo de atuação de muitas plataformas pode ser revisado: se em um contexto próximo era muito comum ouvir o termo ‘superapp’, por exemplo, talvez agora com a necessidade de priorização de ações muitas empresas visem diminuir os escopos de suas plataformas a fim de ser tornarem especialistas em determinadas necessidades do usuário. Ao invés de abraçar o mundo, dar ênfase ao seu core business (ou vaca leiteira, seguindo matriz BCG) pode ser relevante em um contexto onde a margem de risco é menor.De forma geral, os impactos nas áreas de produto já estão sendo sentidos e nesse momento é de importante refletir: o fim do “romantismo” tão comum em conteúdos referentes a área dá espaço ao pragmatismo e ao foco na eficiência e no growth, que podem ser encarados como essenciais para o futuro das áreas. Resta buscar por um crescimento sustentável (e não inflacionado como na época da pandemia) de profissionais que estejam aptos ao novo contexto de mercado.
Updater: Estevan Sanches
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