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O Nascimento de uma Nação: os treze anos de “Sangue Negro”

A primeira imagem de “Sangue Negro” (There Will Be Blood), de 2007, é a de uma montanha no deserto. Segundos depois, Daniel Plainview (Daniel Day-Lewis, numa interpretação poderosa), um miserável minerador de prata, cava sozinho atrás de algo de valor. Do pouco que consegue, ele escala para uma nova atividade: furar poços de petróleo.
O lugar e o ano de 1898 são a gênese da história, mas o contexto vem de antes. Os Estados Unidos passavam por um processo agressivo de industrialização, iniciado por volta de 1840. A efervescência da indústria encontrou uma nação que fora calcada em cima do capitalismo quando esse sistema ainda nem era tão dominante como hoje.

A ambição, a incrível capacidade por tirar proveito de qualquer pessoa ou situação e lucrar em cima disso, faz de Daniel Plainview um representante dessa era e também sua vítima. O diretor e roteirista, Paul Thomas Anderson, usa o livro “Oil!”, de Upton Sinclair, apenas como ponto de partida, já que o material no qual se baseia é satírico. Mas “Sangue Negro” é uma obra-prima de trajetória clássica. Ao longo de quase 30 anos, acompanhamos a ascensão de Daniel Plainview até o topo do mundo. A escalada é dura. Ele abdica da família, de amigos, religião, laços e até do próprio corpo, já que a cara suja de óleo, as unhas pretas e a voz sempre fadigada, mostram como o homem se incorporou àquele cenário inóspito.

Daniel Day-Lewis
Para Paul Thomas Anderson, essa representação mitológica – e um tanto quanto santificada – do poder como DNA do desenvolvimento americano e a extensão do seu domínio diante de qualquer outro lugar do mundo, precisa ser física. Plainview vai usar qualquer coisa para ganhar mais dinheiro.
A começar pelo próprio filho, H.W (Dillon Freasier), um garoto que ele cria depois que o pai – um dos seus empregados – morre. Levando o menino nas negociações, Plainview esvazia a estranheza das pessoas ao vê-lo tão focado em aumentar sua própria riqueza, já que tradicional família americana ancora sua base em tradições como o casamento e a religião. Aos olhos deles, Deus e a família são os cabos que seguram os homens que se arriscam. A religião tem espaço grande na obra. Não só no símbolo da montanha, como um lugar de adoração e de dificuldade a ser vencida, mas como um complemento da extorsão de Daniel Plainview.
Se o magnata transformou o filho em commodity, ao encontrar o pastor, Eli Sunday (Paul Dano), o que se tem é o pleno choque entre duas forças que disputam o mesmo cume. Eli representa um outro tipo de poder. Sua vontade em abrir uma grande igreja e converter Plainview à religião, é como os litros de óleo que o magnata chupa de dentro da terra. Para ambos, a lei divina é outra: o homem não veio da terra, e sim de tudo o que se arranca dela. Nas magníficas interpretações dos dois atores, a explosões internas ficam mais intensas, mais significativas, mais selvagens.
É engraçado o tom fálico que o petróleo tem. Preste atenção em como ele jorra da terra e na excitação que isso provoca em Plainview. Quando um suposto irmão aparece, ele explora o último resquício de humanidade que ainda não perfurou.

Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007)
No topo do mundo, mais perto do céu e vivendo na casa dos deuses, Plainview sabe que não precisa de relacionamentos afetivos. Qualquer um que não seja dominado por ele, é o seu concorrente. Precisa ser eliminado. Seu monopólio é o seu propósito. O poder e a exploração – seja dos recursos naturais ou das pessoas – é o combustível que move o Midas capitalista de Paul Thomas Anderson.
No final, após uma cena de pura brutalidade entre Plainview e Eli, o título original do filme, algo como “haverá sangue”, reforça que o que mantem o coração desses homens americanos batendo, é o sacrifício de tudo que se coloca no caminho até o topo.
Em fevereiro, “Sangue Negro” fez 13 anos de lançamento. Fica mais atual a cada ano.
Sangue Negro (There Will Be Blood, 2007)
Onde assistir: entrou no catálogo do Telecine Play
Updater: Leonardo Simões
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