Paidia e ludus no jogo de tabuleiro Dixit

Muitas regras, ausência de regras, balanço de regras, imersão em fantasia, foco na narrativa, abstração total perante uma interface lúdica. Estes são dilemas que um game designer enfrenta a cada novo projeto. Dosar as regras com uma carga de liberdade para os jogadores viverem a experiência de um determinado jogo não é uma tarefa fácil. Tampouco é fácil equilibrar o peso de um manual de regras com a teoria da diversão proposta por Koster (2005).

Recorrendo ao pensamento de Roger Caillois e sua obra Man, play and games (2001), podemos, de uma maneira bastante sintética, alocar os jogos em dois extremos opostos de uma mesma linha: em uma ponta teríamos a paidia e na outra o ludus. Paidia pode ser entendido como um “jogar expontâneo”, é uma improvisação livre, como crianças inventando regras em tempo real para uma brincadeira no parquinho; é a imaginação incontrolável que transforma uma caixa de madeira em um tanque de guerra e um lençol pendurado no varal em um dragão cuspindo fogo. Paidia é nossa essência infantil que surge em determinados momentos de nossa vida adulta. Por outro lado, Ludus significa o “jogar controlado”, é um termo que que está ligado aos manuais de regras, limites e instruções de um game. É o conjunto de elementos que juntos formam as fronteiras que definem quem ganha e quem perde um embate lúdico.

Em um processo de game design é fundamental identificar a audiência para a qual o jogo será destinado para estabelecer se teremos algo mais casual e desprovido de regras, algo totalmente fundamentado em regras rígidas ou um equilíbrio bem estabelecido entre ambos os lados.

Um exemplo para entendermos como podemos equilibrar a paidia e o ludus é o board game Dixit (2008). O jogo, que já teve sua versão brasileira lançada pela empresa Galápagos, consiste de uma mecânica de dedução aliada à imaginação dos players. De acordo com o manual do game, um jogador faz o papel de contador de histórias a cada turno e deve olhar as seis cartas com imagens que possui na mão. Escolhendo uma dessas imagens, ele deve falar uma frase, uma ideia ou uma palavra que corresponda (de maneira concreta ou abstrata) com o que está desenhado na carta. A carta deve ser colocada virada para baixo na mesa e, baseados na frase dita pelo contador de histórias, cada jogador deve escolher – da sua mão – uma carta/imagem que ache que tem a ver com a ideia pronunciada pelo mestre da rodada e também colocar virada para baixo na mesa.

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A carta da imagem anterior poderia suscitar uma série de interpretações como: 1) diga-me com quem andas e te direi quem és; 2) relações perigosas; 3) o fim da inocência; 4) perigo disfarçado; 5) medo. Cada jogador terá sua leitura da imagem e esse é um ponto bastante interessante da interface do game.

Uma vez que todas as cartas foram colocadas na mesa, elas são embaralhadas e reveladas. Sendo assim, cada jogador vai ter que votar naquela que acredita que seja a do contador de histórias. Se ninguém ou todo mundo acertar a imagem do contador de histórias, este último marca 0 pontos e os demais jogadores marcam 2 pontos. Jogadores marcam 1 ponto para cada voto em sua carta. O jogo acaba quando alguém alcança 30 pontos ou o deck se esgota.

Em Dixit, os componentes da esfera do ludus são o placar, os pontos, os turnos e as condições de vitória/derrota. A paidia é formada pela interpretação livre e subjetiva que cada jogador pode dar para as imagens representadas nas cartas. Isso torna cada partida única em grupos diferentes de pessoas; o que demonstra que mesmo com regras consistentes é possível criar abstração e caos.

Um exercício interessante a ser praticado sobre as ideias de paidia e ludus é de procurar identificar a cada game experimentado para qual lado da balança ele pende, ou se há um equilíbrio bem estruturado entre as duas pontas. Não estamos propondo que se estabeleça um modelo matemático percentual sobre paidia e ludus, mas sim um treinamento de sensibilidade para perceber quando um determinado jogo age sobre uma esfera rigorosa de regras e quando permite maior liberdade lúdica. Esse tipo de “treinamento” nos auxilia a aprimorar o olhar de game design para nossos futuros projetos e adequar os elementos do jogo de maneira mais precisa com o público alvo definido.

 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAILLOIS, Roger. Man, play and games. USA: Illinois University, 2001.

KOSTER, Raph. A theory of fun for game design. Arizona: Paraglyph Press, 2005.

 REFERÊNCIAS DE GAMES

Dixit. Asmodee. Board game, 2008.

Updater: Vince Vader

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