- Update or Die!
- Posts
- Pitchfork pergunta, tentamos responder: nós somos meros paga-paus de gringo?
Pitchfork pergunta, tentamos responder: nós somos meros paga-paus de gringo?

O Lobão é um dos maiores roqueiros do Brasil. Sua trajetória permeia a contra-cultura nacional. Nos anos oitenta, seu maior hit foi a música mais tocada da década em todas as rádios, desbancando Michael Jacksons, Madonnas e Guns n’ Roses, dentre todas as outras.
Lobão é um rebelde. Ele sempre esteve na contra-mão da história. Quando o mundo era coxinha, cantava Lula-lá. Hoje, vocaliza sua ira contra o lulopetismo nas redes sociais. Tenho certeza que, fosse Aécio o Presidente, detonaria hoje os podres do tucanato.

Por fim, Lobão é um rebelde que não desiste, quer viver à 200 mil por hora, vive a angústia daqueles que precisam reinventar o mundo, explodir o tédio, demolir a paumolecência, botar o dedo nas feridas, onde quer que elas estejam.
Com todos os erros e acertos, seus dilemas e contradições, Lobão é um caso raro: o do artista brasileiro que reivindica a relevância do seu papel.
Nossa tradição cultural, no entanto, nos empurra para um lado completamente oposto. Foi o que o site de música Pitchfork expôs ao mundo no dia de hoje.
Foi lá que a repórter Courtney Smith publicou “Como a classe, videoclipes e a estética gótica fez com que o Arctic Monkeys se tornasse gigante na América do Sul”.
O texto é praticamente uma provocação raramente vista na imprensa interrnacional sobre nossos hábitos de consumo de cultura, em específico, os jovens brancos de classe média que acham que o Arctic Monkeys é uma banda relevante para o rock.
Isso tudo com direito a aspas de um professor da Universidade do Texas, especialista em literatura e cultura latina, como estas:
“No Brasil, garotos da classe média, jovens e intelectuais, quase todos brancos, conquistam credibilidade ao abraçar a cultura popular estrangeira. Isso permite agir ou exibir um comportamento de rejeição ao status quo, principalmente ao idolatrar celebridades que pareçam rebeldes como James Dean, Elvis ou Mick Jagger.”
[/divider]
Ao ler o restante do texto, a primeira coisa que me veio à cabeça foi: mas não é assim em todo o mundo? Os jovens de outros países também não adotam ídolos para expressar sua identidade, suas aspirações, projetando frustrações e se associando à movimentos inovadores para construir sua personalidade?
Pensando um pouco melhor, a resposta é um pouco mais complicada que isso.
Sim, os jovens de todos os países no mundo fazem isso, com duas exceções: os dos Estados Unidos e da Inglaterra.
Porque os anglo-saxões não idolatram estrangeiros.

Para um americano ou inglês, só existem aqueles que nasceram em seus territórios, falando para eles, na sua própria língua.
Essa é a diferença básica entre nossos rebeldes e os rebeldes de lá.
Enquanto gastamos incontáveis horas em busca dos rebeldes de lá, que vivem a milhão, aos nossos rebeldes dedicamos uma boa dose de cinismo, ironia e decadência sem elegância.
Há uma imensa dificuldade em adotar um artista da contra-cultura local como ícone, e investir credibilidade a ele, a ponto de respeitar quem expresse adoração por ele.
Pelo contrário. Todos os fãs de artistas da rebeldia brazuca são tratados com uma boa dose de escárnio, em diferentes níveis, seja essa banda o Mutantes, o Racionais ou o Charlie Brown Jr.. Fãs de Raul Seixas sofrem a pecha de chatos que pedem “toca Raul”. Nem vou falar de Los Hermanos, NX Zero ou Valeska Popozuda, Capital Inicial, Legião Urbana, RPM, Roberto Carlos…
Sério, pense em qualquer artista, de qualquer área, mas que seja brasileiro.

Há um imenso, gigantesco, mamute branco no meio da sala da contra-cultura nacional. Todos sabem que ele está lá, emperrado. Mas ninguém ousa falar dele.
É aí que entra a Pitchfork, uma revista de música ultra-conceituada e respeitável, esfregando na nossa cara que tratamos artistas de 3ª linha como se fossem novos Beatles.
De todas as nossas deficiências e carências de país em desenvolvimento, acredito que a falta de uma contra-cultura forte, com circuitos alternativos bem estabelecidos, regularidade de obras, estrutura de produção e divulgação e, principalmente, reconhecimento e credibilidade para os artistas, é uma das mais graves.
E não adianta sair pela tangente agora, isso não é culpa de ninguém, só de nós mesmos, em nosso hábito de desconstruir tão avidamente com nosso humor tão descolado os primeiros passos de qualquer novo trabalho, a apagar com a chama da nossa vaidade os primeiros raios de qualquer nova estrela que seja do nosso bairro, da nossa cidade, da nossa língua, nossa.

Enquanto isso, aos nossos poucos astros resta a coluna de fofocas e seus ardis para cobri-los de vulgaridade, obsolescência e desânimo, uma polêmica tola por vez.
E dá-lhe frases do Caetano, hábitos da família Gil, bandeiras do Lobão.
Quando você for convidado para dar sua participação inteligente no bloqueio à qualquer artista brasileiro, pense um pouco nisso.
Updater: Rafael Losso
Reply