Por que não sou criativo?

Capítulo I: Ansiedade é combustível

Criatividade: o terror diário de qualquer pessoa, não importao que faça para viver.

A ansiedade que era um tabu até recentemente, um item de usoexclusivo de celebridades, agora faz parte do cotidiano de qualquer ser humano,não importa se mora no morro ou no condomínio, no templo ou no alto de umamontanha.

A ansiedade é o mal do século.

Estamos ansiosos por não ter um emprego, e não é muito diferentepara quem está bem na profissão, e nem mesmo para os donos de seus própriosnegócios. A imprevisibilidade matou a forma como lidamos com o tempo. Ter ou nãoter, eis a questão. O pânico, a sensação de angústia e a ansiedade estão otempo todo mordendo nossos calcanhares, arranhando o chão, puxando nossoscabelos, sussurrando em nossos ouvidos, roubando nosso ar, quando é difícil atéengolir em falso. Todos somos vítimas dessa epidemia. A ansiedade atacasilenciosa, e, quando menos se espera, combatê-la da forma errada pode darainda mais força para seus ataques.

“Puxa vida! Esse cara disse que ia falar de criatividade eveio com esse papo de ansiedade”, você deve estar aí pensando. Ansioso(a)!

Eu trabalho com criatividade. Sim, pago minhas contas criandoideias, diariamente, para meus clientes. Mas, nos últimos anos o poço vinhasecando, dia após dia, de onde eu só conseguia tirar uma água salobre, amarga. Sério!E isso se refletia em minha produção, inegavelmente. Sem mencionar que assombras se alastraram para os relacionamentos profissionais, familiares esociais. Estava tão ansioso que mal conseguia pensar direito, reinventarconceitos e resolver problemas com novas perspectivas. Sentia a mente árida euma raiva gratuita pairando no ar, acompanhada de um cheiro forte, inflamável, sufocante,que queimava os olhos e ardia no nariz. Um estado de alerta constante, prontopara fugir ou atacar.

Foi aí que percebi que a criatividade não é um “dom”, mas umesforço. Uma disposição. Dia desses comentei com uma amiga que a mente humanaparece um rio, e quando a gente resolve represar nossos pensamentos, cedo outarde, o volume d’água acaba dá seu jeito e encontra seu caminho. O ser humanoé inquieto por natureza. Por mais introvertido ou tímida que sejamos, existe umoceano inflamável lá dentro, à espera de um milagre; uma fagulha que seja capazde dar algum significado a todo aquele volume de combustível.

A revolução dos empregos está aí, fervilhando. Esqueça a tãosonhada “carteira assinada”, o orgulho de nossos pais e avós. Daqui parafrente, cada vez mais, teremos uma legislação que cumprirá a profecia sobre ofim dos empregos como os conhecemos, e tudo o que há ao seu redor: salário,fundo de garantia, férias, PIS, 13o salário, aposentadoria,etc., etc., etc. Quem não ficaria ansioso vivendo em um cenário como esse?Imerso nessa atmosfera cheia a incertezas que se acumulam, sem nenhuma luz nofim de um túnel que nós mesmos estamos construindo.

Quem não é “criativo” precisa ser. Mas, como? E, quem “é”, jánão sabe mais como manter as pessoas encantadas, para sustentar a audiência quepaga seus salários. O dinheiro se move onde a atenção das pessoas está. Isso éum fato.

Empregos com atividades repetitivas são masmorras para ondeninguém quer ir, até porque já existem muitos algoritmos prontos para resolvera maior parte desses problemas. Atividades repetitivas deixam as pessoasentediadas, e, consequentemente, ansiosas por algum tipo de distração. Oemprego dos sonhos hoje, é se tornar programador de jogos. Ganha-se fortunasjogando e criando jogos para alimentar a rotina dessa moçada ávida porexperiências sensoriais. Haja criatividade para suprir essa colossal demanda.

Não importa o país em que você vive, há um déficit históricosobre a criatividade humana. Nunca houve uma necessidade tão grande para essetalento que, até agora, supõe-se ser uma exclusividade dos homo sapiens. Mas, afinal, por que eu não sou criativo?

A lógicamecanicista da revolução industrial nos assombrou por tempo demais. Ainda hoje,as salas de aula, mesmo conectadas à Internet, ainda usam carteirasenfileiradas, tendo uma pessoa à frente dos alunos com a autoridade deensiná-los. (Sério?) Todas as áreas do mundo evoluíram, migraram para patamaresnunca antes imaginados, mas a escola ainda está lá “cansada com suas meias três quartos/rezando baixo peloscantos/por ser uma menina má”. Avaliar alunos sob uma perspectiva única, usandométodos padronizados, muitas vezes antiquados, dando-lhes notas numa escalanumérica, desconsiderando todas as suas capacidades e habilidades, sejam físicas,psíquicas, cognitivas e emocionais, é um crime sem nome. Muitos Mozart’s,Einstein’s e Marie’s Curie’s foram condenados à invisibilidade e morteintelectual por não se deixarem formatar por métodos baseados em repetição.

As escolas do mundo todo, até agora, criaram especialistas,gente que lida muito mal com o novo, e se perdem completamente em situações disruptivas.Com imensas dificuldades em se adaptar, pois não desenvolveram bem a habilidadede auto aprendizado, da busca e pesquisa incessantes; aquela curiosidadeinfantil que foi queimada na fornalha de uma inquisição que insistia em fazersempre as mesmas perguntas.

Se você é um profissional de áreas chamadas “criativas” devereceber uma carga gigante de demandas, todos os dias, para resolver problemas,criar ideias e salvar a cabeça de diretores, produtores, gerentes, CEO’s, etc.De onde tirar inspiração para tamanha exigência? E se você não é desse mundochamado “criativo”, ou seja, se pertence ao universo dos mortais quebradores depedra, sabe que a sua picareta está prestes a se tornar um aplicativo, muito embreve, e que deverá dar um jeito de se atualizar ou irá morrer, literalmente.

Mais ansiedade.

Se nossas escolas não sabem como nos ajudar, e se nossosempregos, criativos ou não, nos sugam todo o sangue, o suor e as lágrimas, comoencontrar alguma criatividade que nos salve a vida e paguem nossos boletos?

Não somos criativos porque vivemos em uma sociedade quesistematizou um método que visa apenas à manutenção de mecanismos. Escolas queprimam por autonomia, que incentivam seus alunos ao pensamento crítico, blá,blá, blá, são uma modinha moderna. Por que não fizemos isso bem antes? Por quedemoramos tanto a reconhecer esse brilhantismo natural do ser humano, que só serevela em ambientes livres de barreiras e burocracias?

Nossas escolas mais parecem presídios, com muros altos, cercaselétricas e sistema de vigilância por câmeras. Quem não se sentiria ansioso ecom medo da vida vivendo assim?

Não somos criativos porque nossa cultura ainda não vê um valorgenuíno no pensamento selvagem, cru, instintivo. Preferimos coisas padronizadase previsíveis. De preferência, mensuráveis. A história já provou que matamos amaioria das pessoas que tiveram ideias absurdas, mas que hoje governam nossasvidas. O estranho assusta, sim, mas muda o rumo das coisas. Criatividade exigeliberdade, e isso foge ao velho conceito de que trabalho é igual a esforçofísico e horas trabalhadas, em um espaço físico determinado, cumprindo regraspreestabelecidas. Duro dilema para uma sociedade recalcada na pura meritocracia.

Agora, com a corda no pescoço e um mundo à beira doApocalipse, com nossos rios e mares poluídos, e o aquecimento global bagunçandonosso clima, a falta de empregos endêmica e mais bilhões de bocas para alimentar,a ficha cai e o terror toma conta de todos, principalmente de empresas que não queremperder o controle do mundo. Elas buscam enlouquecidas por mentes criativas. Masonde elas estão?  

Afinal, está cada vez mais difícil contratar pessoas capacitadas.E não falo apenas de diplomas e currículos recheados de cursos eespecializações. Na verdade, falo de seres humanos preparados para lidar com a adversidade,a disrupção (mudanças bruscas), e nesse ínterim lidar bem com as própriasemoções, se reinventando como pessoa, sendo capaz de aprender com suas derrotase, principalmente, dividir suas vitórias com as pessoas que conheceram pelocaminho que o levou até lá.

Criatividade não é um dom, mas a eterna necessidade humana de superarseus próprios limites. E estamos vivendo um momento delicado, que exige níveisestratosféricos de nossa capacidade criativa. De onde ela virá? Do mesmo lugarde sempre: dosnossos medos. Estamos ansiosos porque tememos os efeitos desse novo mundo quenão conseguimos explicar direito. As coisas estão acontecendo muito rápido enos atropelando. Estamos em pleno voo e consertando o avião. A velocidade criaangústia. O medo nos arrepia, nos deixa com raiva por não saber o que fazer,mas é esse mesmo terror que pode nos mover para frente, validando aqueleinstinto selvagem que nos trouxe até aqui: o senso de sobrevivência.

A ansiedade não é algo tão ruim assim. Um pai com raiva e sem granapode roubar, mas também pode criar uma ideia nova para alimentar seus filhos,dando-lhes muito mais que alimento, senão um exemplo sustentável de como se “ganha”a vida. Uma diretora de arte com prazo estourado pode plagiar aquele materialque “ninguém vai perceber” ou sentar a bunda na cadeira, melhor, tirar ela delá e partir em busca de uma solução fora de sua zona de conforto, acreditandoque até a dona Maria do cafezinho pode lhe dar uma “luz”, e salvar uma campanhainteira.

Seja você um contador, uma professora de história, um zeladorou o presidente de uma multinacional, não interessa, a sua criatividade nãodepende do diploma que recebeu ou dos limites impostos pela sua função. A suacriatividade vai sempre depender da sua coragem de ir além do que se espera devocê. E isso estará sempre escondido nos detalhes. Passamos os olhos por cimade tudo, observando apenas o contexto geral. Mas, as respostas estarão semprebem ali, no cantinho onde quase ninguém olha. A história da criatividade é aprópria história humana. A inquietude do ser humano é o que tempera a nossaevolução. Uma geração tem medo de algo, mas a seguinte resolve enfrenta-lo, e,assim, dar um passo adiante.

O mundo está ansioso, tremendo, de pupilas dilatadas. Aspalmas das mãos frias e um frio na barriga que nunca dá sossego. Paga-se caropor nossa atenção, e, por isso mesmo, ela não está plena em lugar algum e emnenhum tempo. Eis o motivo de tanta angústia. Os novos donos do mundo serãopessoas que vão hackear suas mentespara conseguir dar a devida atenção às coisas certas, no tempo devido e para aspessoas corretas, e pelos motivos adequados. Desenvolver uma postura seletivasadia, que me ajude a fazer melhores escolhas, prestando atenção aos detalhes,será a chave para livrar nosso mundo de tanta aflição.

Seremos sempre ansiosos? Claro! Essa é a nossa benção e anossa maldição. A diferença está em que eu dedico minha atenção. Use a suaansiedade a seu favor. Caso contrário, ela vai fazer apenas consumir a suamente até não sobrar mais nada. Ela virá, inevitavelmente, como uma onda nomar, sempre seguida por outra. Você pode surfar ou levar um “caixote”. Adecisão é sua. Rápido, pois lá vem outra…

Seja criativo! Basta prestar mais atenção em si mesmo(a). Vocêvai se surpreender!

Updater: William Barter

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