Ronaldinho Gaúcho e 2 tickets pro almoço

História 1:


Em 2008, Ronaldinho Gaúcho sai do Barcelona depois de ter conquistadouma Liga dos Campeões e ajudar a resgatar a autoestima do time. Dois anos depois, já atuando pelo Milan, ele precisa enfrentar seu ex-clube. E aí vema grande surpresa: todos perfilados para a foto quando Puyol, então capitão doBarça, vai em direção ao craque para buscá-lo. Juntos, lado-a-lado, o Bruxo eseus adversários. Uma foto um tanto inusitada. Uma imagem que revela um grande gesto.

História 2:

Quando eu era estagiário, recebia o equivalente à passagem para osmeus dois ônibus de ida e dois de volta. Por isso, levava comida todos os diaspara o trabalho. Então, um redator da agência me chamou um dia e me entregoudois tickets do seu talão de alimentação. “Pra você almoçar maneiro”, disse. Oredator se chama Leo Valpassos e, na época, nem ganhava tão bem assim. Maspassou a fazer isso por todo o tempo em que trabalhamos juntos lá. Ele me deualguns tickets e uma aula.

Faço essa introdução para falar sobre uma palavra que aprendi há um tempoe procuro relembrar diariamente: deferência.

Deferência é uma atitude de respeito pelo outro. Uma consideraçãosobre a importância de alguém que não é necessariamente “importante”. Oreconhecimento de um gesto. Deferência é um agradecimento sem a obrigaçãoformal. Uma reverência invisível.


Recorro a alguns exemplos para deixar mais claro. Sabe quando umapessoa está tocando um projeto e, por algum motivo, você precisa assumir? Nessecaso, deferência é demonstrar interesse para entender o histórico e, sepossível, mostrar o resultado ao final do processo.

Quer ver outro exemplo? Compartilhar os méritos de um trabalho. “Ah,mas a pessoa participou pouco”. Tudo bem. Se ela ajudou, então merece algumreconhecimento. Anossa consideração não precisa vir só com um esforço monumental do outro.

Outro caso de deferência que a gente costuma tropeçar: valorizar aopinião de alguém, mesmo que essa pessoa esteja em um cargo abaixo. E não, issonão é se diminuir. Pelo contrário. Quando a gente reconhece que não sabe tudo éque consegue reconhecer quem pode nos ensinar.

Talvez o maior exemplo de deferência venha agora: o interesse genuínopelo problema alheio quando ele não nos diz respeito. É a generosidade de doaro nosso tempo sem a expectativa de receber algo em troca. Como você podeperceber, a deferência não custa nada, mas vale muito.

Na correria do dia a dia, muitas vezes deixamos passar. Esquecemos de dar os créditos, de agradecer, de elogiar. Vivemos em um mundo onde está cada vez mais raro ouvir alguém falando bem pelas costas. Por isso, é bom deixar essa palavrinha anotada no nosso post-it mental. Assim, a gente não perde de vista a importância da consideração e do respeito. Porque a generosidade pode vir em segredo, mas agradecimento ao outro soa sempre melhor quando feito em alto e bom som.

Fecho o texto relembrando a história lá de cima. O gesto de Puyol demonstra a grandeza do homenageado. Ronaldinho Gaúcho foi um craque, ídolo, um fora de série. Mas diferente do que pode indicar esse exemplo, ninguém precisa presenciar a genialidade de um R10 para praticar a gratidão por alguém. Na verdade, a deferência nasce no gesto simples, delicado e improvável. De preferência, em dois tickets para um almoço.

Updater: Lucas Ribeiro

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