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Sem sofrência não tem história


Em seus altos e baixos, a vida nos ensina que a felicidade não é um objetivo, mas um estado de espírito momentâneo, pontual, instável, sujeito a mudanças por conta da primeira pedra no caminho.

Seja utilizada como roteiro de uma obra de entretenimento (filme, peça de teatro, game) ou para transmissão de uma mensagem publicitária (respeitando, claro, a coadjuvação da marca em favor da história), uma narrativa busca estabelecer uma empatia com seu público (audiência, consumidor) através de três técnicas não excludentes: a imersão no universo alternativo, o espelhamento com o protagonista ou o reconhecimento (ou projeção da possibilidade) do conflito, estes três fatores parte do que trato como a Tríade Narrativa, ou, os pilares sobre os quais uma história é criada.
Muitas marcas pensam que trabalhar storytelling em sua comunicação mercadológica é apenas contar uma história. Mas tem muito mais envolvido.
A aplicação do conceito pode tanto permear a roteirização de uma peça publicitária (a forma mais simples e direta de utilização) como também servir de alicerce para algo maior, até mesmo para a construção de um posicionamento perece de marca através de sua arquetipificação.
No primeiro uso, ou seja, na construção de narrativas para transmissão de uma ideia, conceito ou mensagem, a utilização do storytelling como ‘forma’ de transmissão traz uma armadilha bastante traiçoeira para os profissionais de comunicação. O envolvimento do público com uma história se dá primordialmente pela possibilidade de que tudo dê errado.

Hoje é dia de maldade. De ver o Rocky levar um kct do Apolo. Do Darth Vader explodir Alderaan. Dia do Voldemort pegar o nariz do Harry. Hoje é dia do Nemo não encontrar o pai. Do Shrek levar um pé na bunda da princesa, dia da Rapunzel careca.. hoje é dia de maldade.
Embora saibamos que em 99,9% das vezes, o bem vence o mal e “tudo dá certo no final, se não deu certo é porque não chegou o final”, a mínima possibilidade do fracasso, do protagonista se dar mal, do objetivo não ser cumprido, é um dos fatores chave para que a audiência acompanhe a narrativa. Na verdade, no fundo já sabemos que tudo vai dar certo, mas queremos saber até onde as coisas vão dar errado ANTES de começarem a dar certo.
Se não há conflito, se não há a mínima possibilidade de que algo dê errado, ninguém torce (nem a favor, nem contra); se não há torcida (projeção de felicidade, empatia com a luta do protagonista), não há envolvimento e, consequentemente, não há lembrança, não há – pedindo desculpas pelo jargão – engajamento com a história.
Isto tudo me ocorreu ao assistir este vídeo da Gol / Delta sobre suas operações conjuntas:
É uma história? Sim. Tem ‘começo, meio e fim’. Sim. Usa técnicas de storytelling para prender a atenção do público. Definitivamente não. No máximo um comercial de margarina.
O público não quer assistir à representação de um mundo e uma vida perfeitos, como uma sequência de snapchats da Pugliesi; quer furacão, quer emoção, quer ver nossos amigos enfrentando perigos e caçando aventuras (pra quem entendeu a referência). Do contrário, a história segue fazendo o que a publicidade sempre fez: enaltecer as qualidades e esconder as imperfeições.
Como esta história da Delta / Gol poderia ser transformada – se tornar mais atraente, mais envolvente – através do storytelling verdadeiro? Não, não estou sugerindo que o avião caia no meio do caminho, mas que interessante seria o Carlos (Gol) se perder no aeroporto de Dallas, o Raphael (Delta) em São Paulo fugindo de taxistas de dentro de um Uber (não, brincadeira!)… enfim, pessoas sempre felizes são insuportáveis, uma vida sempre colorida perde a cor, uma história sem perrengue não é storytelling.
Updater: JC Rodrigues
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