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Sociedade do cancelamento

9h da manhã. E-mail aberto. Total de 8Spams. Todos devidamente encaminhados para os seus devidos lugares: a lixeira. Deletar,cancelar, bloquear, excluir. Já reparou como essas palavrinhas estão cada vezmais comuns no nosso dia a dia? Fácil, ao alcance dos dedos, sem nenhumesforço. Apertamos o botão e pronto, lá se foi o problema.
Isso é ótimo quando se trata de um e-mail indesejado, mas péssimo quandoestamos nos referindo ao colega da época de escola que tem uma opinião divergenteou ao parente com crenças diferentes da nossa.
O amigo Arthur Zambone me alerta: “é a sociedade do cancelamento”. Eletem um ponto. Criamos um modus operandi que funciona assim: quando nãogostamos de alguma coisa, simplesmente tiramos ela da frente. Leu um post quenão agradou? Clique: bloquear. O tweet foi contra o que você acredita? Clique:deixar de seguir. Discordaram da sua opinião no Facebook? Clique: deletar.Cansou de alguém? Clique: remover. Cansou de tudo? Clique, clique, clique.
Eu sei, tem sido cansativo participar de discussões. Nas redes sociais, as pessoas parecem estar cada vez mais certas do que pensam, cada vez mais cheias de convicções. Mesmo sobre assuntos que elas não têm o menor conhecimento. Pincelo aqui a frase do pensador alemão Goethe: “não há nada mais terrível do que a ignorância ativa”. Ele nasceu em 1749, veja só. Ao que me parece, continua mais atual do que nunca.
Em um mundo sem espaço para a discordância, é bom preservar algumasdúvidas. Porque muitas vezes nossas palavras julgam sem termos a noção disso. Colocamoso outro em posições que, na maioria das vezes, ele não quer e nem deve estar.Com afirmações feitas de concreto, erguemos muros em vez de construirmospontes. Assim, fica difícil fazer a travessia entre o que somos hoje e o quepodemos nos tornar amanhã.
Empatia? Não, não tem ninguém aqui com esse nome. Estamos deixando depraticar o exercício de nos colocarmos no lugar do outro. Preferimos o caminhomais fácil, o atalho do já visto. E isso só fortalece o preconceito, esse cobertorque nos mantém quentinhos no conforto das nossas supostas certezas. Infelizmente,estamos todos esperando que os outros mudem primeiro.
Mas ouvir a opinião de alguém não é, necessariamente, acatá-la. É simplesmente não desprezá-la. Isso é importante pra entender em qual lugar estão pavimentadas nossas opiniões. Muitos dos nossos preconceitos nasceram de coisas que ouvimos desde pequenos e que acabam virando respostas automáticas para assuntos que exigem uma reflexão maior. Com frequência, não reconhecemos a nossa violência verbal porque somos ignorantes a respeito dela.
Claro, não somos obrigados a conviver com quem não gostamos. Mesmo digitalmente. Mas quando a gente só cancela o outro, na verdade, bloqueia a possibilidade de ver um ponto de vista diferente, de aprender algo novo e, principalmente, de nos reaprendermos. A nossa conexão com o mundo fica ocupada com as nossas próprias limitações. Viramos um spam de nós mesmos. E spam, você sabe: clique.
Updater: Lucas Ribeiro
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