SXSW 2018 Into Me See

“A qualidade do relacionamento é a qualidade da sua vida”.

Foi com essa frase que Esther Perel abriu o Keynote Stage do SXSW, talvez o festival mais relevante de inovação do mundo. E através de um discurso honesto sobre homens, mulheres, inseguranças e a liberdade de escolha que cada um de nós temos, a área – considerada a mais nobre do evento – na minha perspectiva, deu o tom do que seria essa edição.

Não tão óbvio e claro como os inúmeros painéis sobre blockchain, quantum computing, inteligência artificial, fake news ou Donald Trump, mas presente, como uma segunda camada, na maior parte das apresentações. E olhando mais de perto algumas das ações, podemos, quem sabe, entender melhor esse recado.

Uma mesa sobre solidão e felicidade, por exemplo, no primeiro dia, em uma sala, relativamente grande, se manteve lotada até o final – no qual ouvimos que as pessoas gastam três vezes mais do seu tempo em redes sociais do que socializando na vida real. O que torna cada vez mais comum o surgimento de iniciativas como a do “Forget Me Not”, programa lançado pela empreendedora de 18 anos, Anika Kumar, onde idosos e adolescentes conversam com frequência por 20/30 minutos no telefone. Na tentativa de diminuir o isolamento social, e, por que não, aprender, essa troca é no mínimo relevante quando consideramos que millennials estão tendo níveis tão alto de depressão quanto os adultos.

Já um dos fundadores da Vox, Ezra Klein, em um painel intitulado “How to break an industry”, questionou intensamente como as relações estão se dando no ambiente político, na imprensa e nas redes sociais. E com uma visão pessimista, ou talvez realista, foi transparente em suas colocações – chamando atenção principalmente para o nosso ato de racionalizar: o constante exercício que o cérebro faz para justificar todas as decisões tomadas, que não necessariamente são as melhores. “Analisando o contexto de uma pessoa e seus medos é possível prever a direção que ela irá”, disse ele – reforçando a todo momento a dificuldade do ser humano em colaborar de forma verdadeira com o outro a favor do bem comum de todos. “Se o objetivo da maioria em um parlamento, por exemplo, é governar, e se o da minoria é se tornar a maioria, em que momento eles chegam a um acordo a favor da sociedade?”.

Tim O’Reilly, por outro lado, trouxe a frase de um empresário (sem citar nome) que dizia que iria investir em tecnologia numa empresa para mandar 30% da mão de obra embora. “Isso é pensamento para se ter nos dias de hoje?”,  esbravejou ele, trazendo dados de empresas que investiram em inovação e que, consequentemente, aumentaram seu quadro de funcionários e lucros. Batendo na tecla, durante todo o painel, que as tecnologias devem e serão integradas na sua vida como algo orgânico.

Enquanto isso, um dos filmes mais badalados do festival, fala sobre encontros “mágicos” entre Bill Murray e desconhecidos, em cenas cotidianas como “lavar prato”, “cantar parabéns”, “dirigir”, “tocar um instrumento”… Sob o nome “The Bill Murray Stories: Life Lessons Learned From a Mythical Man”, a obra possui uma narrativa interessante sobre o mito, o Deus, que marca as pessoas por onde passa por ser simplesmente humano.

E até o Google, que é plataforma, lançou mão de uma estratégia afetiva para mostrar o Google Assistant. Ao entrar em uma de suas cabines para mostrar produtos você acessa o aplicativo, recebe uma mensagem do seu pai dizendo que é aniversário da sua vó, e ativa o comando: “Google, call Grandma”. Voilà. O aplicativo liga e uma “senhorinha” de carne e osso atende o telefone feliz por você ter se lembrado da data. Ao ligar, conversamos sobre meu bolo favorito, o tempo que ficamos distantes e saudade, e, por fim, sabendo que estou no SXSW, me mandou tomar muita água durante o dia. Sabe como é, coisa de vó…

Temas como amor, meditação, propósito e tantos outros assuntos que poderiam estar numa sessão de terapia ganharam espaço no evento, neste ano. E até mesmo no storytelling dos slides – que tiramos fotos que nem uns loucos para ter a informação, que muitas vezes acaba esquecida no celular –  vemos com frequência dados pessoais como o desenho da filha, fotos da infância, relatos de família… Artifícios que geram conexão e reconhecimento entre quem fala e quem escuta, o que consequentemente aumenta o grau de engajamento do público quando bem utilizado. Sem esquecer das mesas mais técnicas, onde também se encontrava falas que buscavam a autenticidade do discurso e a identidade do ser humano. “Qual é a maior ameaça para a Terra? Mudanças climáticas?”, perguntou uma pessoa para astronautas e um fotógrafo de exploração marítima, do qual veio a resposta: “A incapacidade do ser humano em aceitar a realidade”.

Líderes que demonstram o que sentem, mulheres empoderadas sendo ouvidas e aplaudidas por homens, diversidade de vozes, jovens que buscam empresas com fortes valores de posicionamento no mundo e marcas que estão aprendendo (agora de verdade) a sair do monólogo para o diálogo fizeram parte do SXSW. Conceitos que nos fazem olhar para dentro, enquanto o externo tecnológico segue em constante evolução, como se estivéssemos ajustando o ritmo dessa dança entre o ser humano e a máquina, apurando o olhar a cada ano que passa, e amadurecendo a forma como lidamos com a tecnologia. “VR de novo?”, “Outra mesa sobre AI?”, “Mas isso já teve no último ano!”, você pode ter pensado ao ver a programação do festival. No entanto, por mais que o título da palestra seja o mesmo de outras edições, penso que o interlocutor é quem mudou, e eu prefiro continuar otimista nesse sentido.

Voltando à palestra de Esther, que abriu o Keynote Stage e também esse artigo, ela diz que hoje as pessoas buscam serem vistas pelas outras. E que “intimacy” deixou de representar um contato próximo, para se tornar algo significativo: “into me see”. No sentido de “Hey, olhe para mim e veja o que me move, entenda os meus sonhos, anseios, desejos”. Um mergulho no que é realmente importante para o indivíduo, independente das regras da sociedade que se equilibram em cordas cada vez mais bambas.

Fala-se muito de tecnologia e aparatos técnicos quando o tema é inovação. Lugar comum das discussões e a expectativa mais latente do público em eventos como esse. Mas talvez, neste momento, o homem esteja sentindo falta de si mesmo.

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