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Três motivos para ouvir (de novo) Xande Canta Caetano 

No dia 04 de agosto, Alexandre Silva de Assis, o Xande de Pilares, lançou um novo trabalho onde interpretou o repertório de Caetano Veloso. O disco foi gravado na pandemia, mas a ideia nasceu antes: na casa do homenageado, Xande tocou “Ela e Eu”. “Interessante, nunca tinha ouvido isso em samba”, disse Caetano. Com produção de Pretinho da Serrinha, o álbum escapou do nicho pagode para virar uma das melhores obras de 2023. 

Se você ainda não ouviu, aqui vão três motivos para dar o play agora: 

  1. O repertório tá tinindo, trincando

Caetanear o que há na obra de um grande artista é uma enorme dificuldade. Primeiro, pela grandeza; segundo, pelo volume. Caetano Veloso lançou muita coisa desde seu primeiro disco com a Gal Costa, lá no finalzinho dos anos 60. Mas o garimpo de Xande de Pilares foi precioso. 

Eu jamais imaginaria que “Muito Romântico”, uma composição feita de Caetano pra Roberto Carlos, fosse ser escolhida, ainda mais para abrir o álbum. Se o verso “Canto somente o que pede pra se cantar, sou o que soa eu não douro pílula” é a mais perfeita tradução deste trabalho, Xande criou uma dinâmica excelente para a música: o cavaquinho fazendo cama para o grave da voz encobrir com um manto a expectativa de quem escuta. Caetano em pagode pode parecer exótico, mas Xande “não se deixa levar por um papo que já não deu”. É uma versão poderosa!

“Luz do Sol” surgiu em outra linda interpretação. Xande ainda pescou “Qualquer Coisa”, “Lua de São Jorge”, e “Tigresa” com a força que raras gravações atingiram; bancou o pagode em “Alegria, Alegria” para desabrochar o lado anárquico da canção ao seu modo, e fechou o álbum com “O Amor” e “Gente”. 

Há uma história sendo contada por Xande com essas escolhas. Não só a dele em relação à obra de Caetano, mas de algum personagem que não conhecemos e, à medida em que vive, descobre o próprio “trilho urbano” da vida. 

  1. Xande imprimiu seu RG em cada música

Os intérpretes capazes de erguer do chão uma composição clássica de Caetano, ou de Gil, Djavan, Ivan Lins e Ângela RoRo, participam desse clube aqui: Gal, Bethânia, Elis, Ney, Emílio Santiago. Com sua linda voz e experiência, Xande de Pilares ganha carteirinha de sócio. 

Um exemplo? “Trilhos Urbanos”. Se a recente versão do próprio Caetano com o Ivan Sacerdote tem a melancolia de uma segunda-feira de manhã indo trabalhar, mas dopada pelo alívio de se estar vivo, Xande a canta no modo sexta de tardinha em volta de uma roda de samba na casa do Zeca Pagodinho. Sua interpretação é de uma alegria, de uma energia tão profunda, que a sensação é mesmo a de ir do Rio à Santo Amaro em um bonde. Quando Xande diz “o balancê, balancê”, ele amplia a atmosfera criada pela referência a “Retirantes”, de Dorival Caymmi, para a introdução e finalização. É um cerco. Mas a viagem segue pela Capadócia e vai até Sapucaí com “Lua de São Jorge”. A bateria começa em um ponto de umbanda de Ogum que, mesclada aos demais elementos do samba, transforma a faixa em um tipo de samba-enredo. Dá pra ouvir a arquibancada entoando o hino enquanto a comissão de frente abre o desfile. 

“O Amor” é uma canção dificílima, tem melodia complicada de domar. A sanfona iluminou um caminho para que Xande achasse um jeito completamente novo de cantar. E “Gente” tem uma malandragem, um carisma, que alonga o disco mesmo depois do fim.

  1. Xande não precisava gravar Caetano para se provar 

A imponência da voz, o estilo da interpretação, a criatividade do arranjo… ao ouvir o disco, o próprio Caetano Veloso chorou porque Xande é um artista que independe dele ou de qualquer outro. Escreveu uma história ao lado do Revelação; transferiu seu pagode do fundo do quintal para os teatros e casas de show, mostrando que o gênero tem a grandeza da cultura brasileira; e segue como um artista de encanto, “cantando somente o que se pede para cantar”. No destino de Xande e da música, o que tá escrito não se apaga. 

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