Workporn, parte 2

Você não é pago pelo seu trabalho.

Na maioria dos casos você é pago pela sua capacidade de engolir sapos, tolerar os abusos da liderança ou se omitir diante de algo que poderia ser diferente. 

As empresas não estão em busca dos melhores talentos, por mais que afirmem o contrário.

Geralmente, talentos são um problema, uma pedra no sapato. Eles incomodam ao provocar mudanças, pensar diferente, questionar o status quo ou se mostrarem mais qualificados que seus líderes. O que as empresas buscam é a conformidade. As pessoas que melhor se encaixam no sistema, sem ameaçar a ordem estabelecida.

Raramente as organizações buscam pessoas capazes de tomar as melhores decisões, executarem ou fazerem melhores escolhas.

No fundo o que querem são pessoas capazes de fazer as coisas melhor. Não se confunda pela ordem dos termos, ela faz toda a diferença. Me refiro a fazer mais do mesmo, o de sempre, porém um pouco melhor. No caso, melhor aqui é um eufemismo para fazer mais com menos: tempo, dinheiro ou pessoas. 

A maioria das organizações e seus líderes hoje falam sobre transformação.

Reconhecem que precisam mudar, se atualizar. Mas esse discurso só acontece da boca pra fora e geralmente está voltado ao outro. “Os outros precisam mudar. As equipes precisam mudar. Eu? Não, eu não preciso.” O que desejam não é promover grandes transformações, mas mudar estritamente o necessário para, no fim das contas, continuar igual, ou seja, manter a mesma ordem sistêmica. Sabe por quê? Porque ao contrário das promessas que ouvimos por aí, mudar é difícil, dói e dá trabalho pra caramba. Melhor deixar isso para os outros. 

Nas consultorias existe um dilema comum:

Devemos dizer ao cliente o que realmente precisa ser feito ou simplesmente responder o que ele deseja ouvir?

Não são raros os casos em que já perdi clientes e conheço dezenas de outros consultores que passaram pela mesma consequência, justamente porque, ao invés de endossar as hipóteses desejadas pelo cliente, optamos por dizer a verdade. Uma verdade inconveniente, com a qual o cliente não está disposto a lidar. Por outro lado, existe uma ampla gama de consultorias que operam justamente aí: seu papel é construir argumentos que validem o desejo do seu contratante. A famosa claque. 

Ascensão nas carreiras corporativas está mais ligada a capacidade de transitar nesse território das “mentiras sinceras” com a diplomacia necessária para criar alianças sem desagradar demais. Raramente as promoções são vinculadas a critérios técnicos, métricas sólidas ou indicadores claros de performance. 

Reconhecer que esse elemento faz parte do jogo, não significa ser conivente com ele. Mas é preciso perder a inocência para evitar contarmos essas mentiras para nós mesmos. Aí sim a coisa fica grave. 

Já reparou como alguns discursos vão se tornando grandes mentiras coletivas?  

“Nosso foco não está na tecnologia, mas sim nas pessoas”

Agora, quase todos enchem a boca pra falar isso, mas se você rastrear os investimentos da sua empresa, o orçamento não corresponde ao discurso.

“Nossa empresa acredita na diversidade”

Tá na moda, mas geralmente esse papo emerge de uma sala repleta de pessoas brancas, extremamente parecidas, apontando o dedo para fora da bolha e incorporando o assunto da vez. 

“O cliente é a nossa prioridade”

Essa talvez seja a principal falácia corporativa do século. Infelizmente as organizações estão muito mais interessadas na manutenção da própria condição e nos interesses de seus acionistas, do que no valor gerado para seus clientes. A ordem de prioridades geralmente é: acionistas, alta liderança, a própria empresa institucionalmente, o mercado, e lá no fim da lista estão colaboradores e clientes. 

Mas será que poderia ser diferente? Tá aí um desafio para sistemas de humanos sobre o qual poderíamos dedicar um pouco de atenção. Como criar organizações mais transparentes, relações de poder menos hipócritas e trocas mais justas entre as pessoas?

Updater: Paulo Emediato

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